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Atividade dos Karmapas

O discípulo de Gampopa que fundou a linhagem Karma Kagyu foi conhecido durante sua vida como Khampa Üse, passando a ser chamado de Düsum Khyenpa ou o 1º Gyalwang Karmapa. Ele era chamado de Düsum Khyenpa devido à sua realização. Este nome significa “aquele que conhece tudo o que ocorreu no passado, tudo o que está ocorrendo no presente e tudo que ocorrerá no futuro”. Isto significa que devido à sua realização e sua sabedoria onisciente, Düsum Khyenpa, assim como todos os Karmapas, pode olhar simultaneamente para tudo no passado, presente e futuro, da mesma forma como nós olhamos para algo na palma de nossa mão.

Embora esta seja a primeira encarnação na qual este ser específico seja conhecido como o Karmapa, isto não significa que é a primeira de suas encarnações que se tem registro. Foram descritas várias vidas anteriores do Karmapa. Por exemplo, entre os 84 mahasidhas, o mahasidha Saraha foi uma encarnação anterior do Gyalwang Karmapa. E muitas outras vidas no Tibete são relatadas. Por exemplo, quando Guru Rimpoche foi ao Tibete durante o início da propagação dos ensinamentos no final do século VIII, início do século IX, ele teve 25 discípulos. Um deles foi um mestre chamado Gyalwa Tchogyang, também uma encarnação anterior do Karmapa.

Depois, durante o período de ensinamentos de Atisha no Tibete e sua fundação da tradição Kadampa, o Karmapa nasceu como Geshe Potowa Rintchen Drag, um dos irmãos que serviram como veículo da prática e propagação dos ensinamentos Kadampa. A vida seguinte à vida de Potowa foi a de Khampa Üse, que mais tarde seria conhecido como Düsum Khyenpa, o primeiro Karmapa. Este título “Karmapa” foi concedido pelo próprio Buda em suas predições, e neste caso refere-se a ações ou atividades. Isto significa que o Karmapa é a incorporação em um único indivíduo de toda a atividade de todos os Budas do passado, presente e futuro.

Antes de prosseguir na explicação sobre nossa linhagem, é importante lembrar que no Budismo Tibetano uma grande ênfase é dada à importância do mestre ou lama. Tal ênfase ocorre porque a razão pela qual seguimos a tradição do Budadharma é que estamos tentando praticar os ensinamentos de Buda da maneira autêntica, de forma que possamos atingir o mesmo despertar insuperável quanto o próprio Buda. Nossa intenção não é somente atingir o mesmo despertar, mas também ser de completo benefício para os outros seres até que o Samsara, ou a existência cíclica, esteja esvaziado.

 

Tal intenção, chamada Bodhicitta, ou mente do despertar, é a base de nosso caminho. Para que sejamos capazes de atingir este despertar que buscamos, a fonte de nosso Dharma, a fonte dos ensinamentos que recebemos e praticamos precisa ser livre de qualquer aflição mental e suas causas. É preciso que tal fonte possua o resultado, as qualidades da plena realização que queremos obter.

O caminho começa com a tomada de refúgio com tal pessoa, e então o caminho consiste em uma combinação entre nosso próprio esforço, nossa própria resolução, nossa própria Bodhicitta e a orientação que recebemos de nosso mestre. Esta combinação produz o resultado do despertar. Sem todas estas condições presentes, sem um mestre, se tentarmos achar o caminho por conta própria, é improvável que tenhamos sucesso.

A ignorância é a causa da existência cíclica, ou Samsara. Fundamentalmente, a ignorância é confundir aquilo que não é um "Eu" como sendo um "Eu", e então nomear aquilo que não é nada além de nós mesmos como sendo outro. Na base dessa confusão do "Eu" e do outro, nós geramos apego, aversão, apatia, e assim por diante. Nós somos muito parecidos com alguém que está profundamente adormecido e incapaz de acordar de um sonho ruim, mesmo querendo fazê-lo. Nós simplesmente precisamos que alguém venha nos acordar.

Uma outra forma de entender é ver isso como o processo do caminho como o crescimento de uma árvore ou uma flor. Para que o crescimento aconteça, é preciso a semente apropriada, mas a semente por si só não é suficiente. Precisamos das condições adequadas nas quais tal planta possa se desenvolver – o solo adequado, água e a luz do sol. A prática do Dharma e a realização do despertar são assim, uma atuação da reunião de várias condições interdependentes.

As fontes de refúgio na tradição budista são o Buda (o desperto), o Dharma (seus ensinamentos), e a Sangha (a comunidade de praticantes e mestres). Tomar refúgio neles significa considerar o Buda como um mestre, um exemplo do despertar; considerar o Dharma como o caminho do; e considerar a Sangha como guia e companhia no caminho. Um Buda é definido como alguém que erradicou por completo todas as aflições mentais, juntamente com suas causas e é, portanto, totalmente liberto e desperto.

 

Como resultado, o Buda é completamente livre de medos. Do seu próprio ponto de vista, isso ocorreu por ele ter erradicado tudo aquilo que havia para ser erradicado e por ter realizado tudo aquilo que havia para ser realizado. Do ponto de vista de outros, o Buda é também livre de qualquer medo em proclamar a natureza do caminho, assim como em proclamar os impedimentos no caminho e suas dissoluções. Uma vez que o Buda é completamente livre de qualquer medo ou hesitação, ele é o supremo, autêntico e completo professor.

Ainda assim, o Buda não pode simplesmente remover com as mãos o sofrimento de todos os seres sencientes, nem pode literalmente transferir ou dar a quem quer que seja as suas qualidades ou realizações. A atividade principal do Buda é então ensinar – ensinar a natureza de todas as coisas, ensinar métodos através dos quais nós remover todas as falhas que nos afligem e apresentar um mapa do caminho e uma compreensão do destino e da meta ao qual o caminho conduz.

 

Então, tais ensinamentos conhecidos como Dharma, chamados de Saddharma ou Dharma genuíno, consistem em como lidar com todos os problemas que surgem no caminho. Tais ensinamentos consistem em remédios e soluções específicos para problemas específicos, tais como os remédios para certos tipos de aflições mentais, e como proceder quando tais e tais tipos de pensamentos surgem, e assim por diante.

De maneira geral, uma vez que nós sofremos basicamente de três principais tipos de aflições mentais – apego, aversão e ignorância – há três tipos de ensinamentos: o Vinaya (disciplina), os Sutras (os discursos) e o Abhidharma. Para que possamos realmente praticar tais ensinamentos, para de fato praticar o Dharma, nós precisamos ter a orientação de um amigo espiritual.

Ainda que o Buda pareça ter passado ao PariNirvana há 2500 anos, o Dharma ainda se faz presente através de sua atividade compassiva. Se não houvesse ninguém para nos indicar o caminho, ninguém para nos introduzir no caminho e nos apresentar o Dharma, não teríamos acesso verdadeiro a ele. Então, não só precisamos do Buda e do Dharma, mas necessitamos também da Sangha, a comunidade de praticantes. E entre todos os membros da Sangha, o professor ao qual chamamos de lama ou guru é especialmente importante.

 

Como é dito nos ensinamentos Vajrayana: “o guru é o Buda, o guru é o Dharma, o guru é o glorioso Dodje Tchang (Vajradhara)”, porque é o guru que realiza todas as coisas. Isso significa que o guru em sua forma física, em seu corpo, é o mais importante membro da Sangha, pois ele é a corporificação da Sangha. A própria fala do guru que é a essência do Dharma. Desse modo, ele é a corporificação do Dharma. A mente do guru, sendo ele verdadeiramente qualificado, é como a mente do Buda.

Assim, o guru é a incorporação de Buda, Dharma e Sangha, o que significa que, apesar de o Buda haver falecido, todas as qualidades de sua mente estão presentes hoje na mente do nosso guru. E é exatamente por realizar a mesma função do Buda que o guru é então considerado tão importante. Geralmente nós nos referimos ao passado, presente e futuro como os três tempos, ou ainda como os três aspectos de tempo, mas há ainda um quarto aspecto ou quarto tempo que é a igualdade ou uniformidade da natureza dos três tempos.

 

Quando um supremo Nirmanakaya, tal como o Buda histórico, parece ter falecido, isto é considerado como uma demonstração da mortalidade, para dissipar a concepção errônea respeito da permanência dos fenômenos compostos, os quais nós percebemos como sólidos ou reais. Do ponto de vista do próprio Buda, uma vez que ele possui aquilo que é conhecido como o indestrutível ser de Vajrakaya, não há realmente qualquer nascimento ou morte.

 

Da mesma forma, entende-se que o surgimento do guru em nosso mundo é algo que é feito como uma manifestação totalmente para nosso próprio benefício. Diz-se: “Embora tenha atingido a budeidade há inumeráveis éons, você demonstra nascimento no mundo como um Nirmanakaya de modo a treinar os seres". Assim, para poder se comunicar, ensinar e treinar os seres de percepções comuns ou impuras, o guru tem que se manifestar como um ser humano em nosso mundo.

No caso do Gyalwang Karmapa, ele fez isso muitas e muitas vezes, em uma sucessão ininterrupta de encarnações. Todavia ele tenha atingido a budeidade há inúmeras vidas, ele tem demonstrado a maneira de atingir a budeidade em cada uma de suas vidas sucessivas. Por exemplo, no caso do 1º Gyalwang Karmapa, Düsum Khyenpa, é dito em uma súplica feita a ele: “Desconsiderando completamente seu próprio bem-estar físico, você obteve as duas realizações - o completo despertar juntamente com suas realizações- na pequena cabana meditação conhecida como Dharma Drushi”. Ele demonstrou o verdadeiro caminho da diligência intensa, prática e seu resultado, que é o despertar completo naquela vida.

Isto é importante porque normalmente quando pensamos a respeito da tradição budista, nós pensamos no Buda como mestre supremo. Nós pensamos que o Buda realmente surgiu neste mundo, mas que ele morreu há muito tempo. Um dos pensamentos que temos é; "Eu não tive oportunidade de encontrá-lo". Dessa maneira, o que o Buda fez e ensinou tende a ser visto como apenas outra peça histórica da civilização humana. Entretanto, porque a natureza fundamental do passado, presente e futuro é a uniformidade, a qual é o quarto tempo, o tempo não muda. Assim, a sabedoria de Buda continua a se manifestar através do tempo e desse modo nosso guru incorpora a mesma sabedoria de todos os Budas do passado, presente e futuro.

Consequentemente, o guru, o Karmapa, como seu nome indica, também faz a mesma função e tem a mesma atividade como todos os Budas. A oportunidade que nós temos de encontrar tal ser. tal mestre é a indicação de nossa prévia grande acumulação de mérito. Todavia, o grau de bênçãos que se recebe, mesmo de um mestre completamente iluminado, depende de nossa própria atitude. Se considerarmos o guru como sendo de fato a pessoa do Buda presente, devido a nossa fé e devoção, em qualquer encontro com o guru receberemos as bênçãos de um Buda completamente desperto.

Já se pensarmos que o guru, o Karmapa, é meramente apenas uma emanação ou um agente do Buda e não o próprio, então receberemos as bênçãos de um agente ou emanação do Buda. Se não tivermos fé nenhuma, não receberemos bênção nenhuma. Isto não somente no caso do Karmapa, mas mesmo se estivéssemos na presença do próprio Buda Shakyamuni. Desde o tempo do 1º Karmapa, surgiram - até agora e incluindo o atual - dezessete Karmapas.

O costume de reconhecimento de reencarnações de Lamas realizados ainda prevalece no Tibet e há muitos Tulkus, ou Lamas reencarnados, em todas as quatro escolas do budismo tibetano. Entretanto, o Karmapa foi o primeiro reconhecido como tal, com a tradição de Tulkus se desenvolvendo nesta base.

Outra condição que distingue o Karmapa de qualquer outro Tulku é que ele reconhece e prediz sua própria reencarnação. Ele sempre deixa uma carta que indica as circunstancias de seu nascimento vindouro. Por exemplo, o 1º Gyalwang Karmapa, Düsum Khyenpa, deixou uma carta indicando os nomes dos pais, lugar e ano de nascimento de sua próxima reencarnação, que foi Karma Pakshi.

O reconhecimento da reencarnação de mestres no Tibete, e especialmente das sucessões dessas reencarnações, é sempre suposto ser baseada em escrituras e raciocínios autênticos. E geralmente isso é dessa forma. No caso do Karmapa a escrituras envolvidas são as previsões de Buda Shakyamuni, assim bem como de outros mestres a respeito do seu surgimento. Por exemplo, em “O Sutra do Kalpa Afortunado” o Buda Shakyamuni disse: "Enquanto os ensinamentos dos mil Budas deste Kalpa afortunado não tiver em desaparecido, a doutrina do Karmapa, o Guia dos Seres, também permanecerá". De acordo com as predições do Buda Shakyamuni, os ensinamentos do Karmapa persistirão de uma forma ou outra enquanto durar os ensinamentos desses mil budas.

Neste e em outros sutras, o Buda Shakyamuni indicou que ele mesmo foi o quarto dos mil budas que surgiriam neste Kalpa. Nós atualmente estamos no período de sua doutrina. Quando o Buda surgiu a 2.500 anos neste mundo ele realizou as doze ações que caracterizam o Nirmanakaya supremo. Em algum ponto no futuro, o 5º Buda, o sucessor do Buda Shakyamuni que é o Buda Maitreya, e após ele surgirá o 6º Buda que é conhecido como "O Leão" ou "O Rugido do Leão". O 6º Buda será o Karmapa, e será neste tempo que Ele executará as 12 ações de um Nirmanakaya supremo. Todavia Ele já está ativo, ensinando e propagando ensinamentos do Buda Shakyamuni e assim continuará até todos os 1.000 Budas terem ensinado.

Em geral, o sutra no qual o Karmapa é mais predito pelo Buda Shakyamuni é o Sutra Samadhiraja. Ele também é predito em muitos textos que foram escondidos como tesouros de Dharma, as Termas, por Guru Padmasambhava. Em geral, ele é referido como a reencarnação do discípulo de Guru Rinpoche, Gyalwa Tchogyang, de quem o Karmapa é a encarnação indiscutível.

Nesse contexto as atividades e nomes de Karmapas específicos são indicados muito precisamente. Agora ao classificar a doutrina e os mestres da doutrina nós freqüentemente falamos de dois mestres: Buda Shakyamuni, o mestre dos Sutras e Guru Padmasambhava, o mestre dos Tantras. Desse modo podemos ver que o Karmapa foi predito claramente por ambos os mestres do Sutra e do Tantra.

Continuando com a história de nossa linhagem, o 1º Karmapa, Dusum Khyenpa, renasceu como o 2º Karmapa, Karma Pakshi. Seu nome original em tibetano era Tchokyi Lama que significa "Guru do Dharma". Pakshi é a pronúncia Mongol da palavra chinesa "Fashur" que também significa "Guru do Dharma", e é por isso que ele é conhecido como Karma Pakshi. Ele continuou a linhagem que ele havia fundado em sua vida anterior demonstrando a mesma realização como Saraha o mais notável de todos os Mahasidhas. Ele não foi somente a encarnação de Saraha mais foi a corporificação da atividade de todos os Budas como foi profetizado pelo Buda Shakyamuni.

Além de ser renomado como a reencarnação do 1º Karmapa e também o primeiro Tulku reconhecido no Tibet, Karma Pakshi é mais bem conhecido pelos milagres que ele realizou através do Tibet e China. Particularmente ele é relembrado pelos milagres que ele realizou em relação com sua detenção pelo imperador da China. Originalmente Karma Pakshi foi para China e tornou-se o Guru do imperador Monghor Khan da dinastia Yuan.

Após a morte desse imperador, ouve uma disputa pelo trono. Um dos sobrinhos de Monghor Khan, que foi o famoso Kublai Khan, tornou-se o novo imperador. Logo após esse acontecimento, Karma Pakshi partiu da China para retornar ao Tibet, não obstante à insistência de Kublai Khan para que ele permanece e lhe ensinasse. Por isso, Kublai Khan deteve Karma Pakshi. É da natureza dos reis e imperadores serem bastante arrogantes. Eles esperam que as pessoas façam o que eles querem, mesmo se essas pessoas forem seres iluminados. Inevitavelmente o Kublai Khan ficou irado com o Karma Pakshi e tentou executá-lo de dezoito modos diferentes dos quais todos foram sem sucesso.

Essa história é bastante conhecida no Tibet mesmo nos dias atuais. Pessoas do leste do Tibet memorizaram uma longa canção que descreve cada uma dessas tentativas e o que Karma Pakshi fez para resisti-las. Eles tentaram afogá-lo e ele flutuou. Eles tentaram queima-lo e ele não foi queimado. Eles tentaram joga-lo de um penhasco e ele flutuou de volta. Eles o jogaram em um ninho de cobras venenosas e as cobras começaram a "circunambulá-lo". Eles o jogaram em um ninho de escorpiões e eles começaram a "circunambulá-lo", e assim por diante. Após dezoito tentativas eles finalmente desistiram de mata-lo. Então foi assim que Kublai Khan tornou-se um estudante devotado de Karma Pakshi.

Houve outros milagres realizados por Karma Pakshi, especialmente na China. Um deles foi relacionado com um debate entre Budistas e Taoístas, patrocinado pelo Imperador. Tendo perdido o debate, os Taoístas decidiram que iriam fazer um truque para enganar Karma Pakshi. Eles criaram uma ilusão mágica de um pavilhão no meio de um lago artificial. É possível ter um real pavilhão no meio de um lago, mas eles apenas criaram uma ilusão. Eles então convidaram Karma Pakshi e seu séqüito para ir ao pavilhão, planejando fazê-lo desaparecer em um sopro para que todos caíssem dentro do lago, assim fazendo papel de tolos. Mas Karma Pakshi sabia dessas intenções. Antes de ele caminhar para atravessar uma ponte não existente que ligava até o pavilhão que também não existia, ele jogou um pouco de arroz na ilusão e ela se tornou real. Esse pavilhão ainda existia até o século passado.

Outro incidente ocorreu no seu retorno da China para o monastério de Tsurpu. Enquanto ele estava na China, comissionou a construção de uma estátua de Buda muito grande. Quando ele retornou, viu que tudo foi feito de acordo com suas intrusões, mas ela estava um pouco inclinada (pendendo um pouco para um lado). É claro que todos estavam preocupados de qual seria sua reação. Ele meramente sentou em frente à estátua, inclinando o corpo de modo que ficasse como sua imagem refletida. Ele permaneceu assim por um momento. Então, vagarosamente, endireitou-se e a estátua endireitou-se também. Este foi um feito incrível, pois tal estátua era imensa.

Dizia-se que a edição completa dos 108 volumes dos ensinamentos de Buda que foi traduzido em tibetano caberia em cada um dos dedos dessa estátua. Quando estavam renovando o folheado de ouro na face, um sistema especial de andaimes e escadas tinha que ser construídos para chegar a este nível e ao redor das diferentes partes da cabeça. Nos dias de hoje, a conexão de Karma Pakshi com a corte chinesa fica evidente na coleção de tesouros históricos associados com os Karmapas. Isso inclui os presentes dados ao 2º Karmapa pelo imperador Kublai Khan e também por seu tio, Monghor Khan. Algum desses itens assemelham-se a um tapete feito de brocado que tem um Dharmachakra no meio. Há também vasos rituais usados em iniciações. Toda vez que o Karmapa dava uma iniciação para o Imperador e a corte, era oferecido-lhe novos vasos como parte do conjunto de implementos para a iniciação. Alguns ainda existem.

Suplicar para Karma Pakshi dentro de todos os Karmapas é considerado o melhor meio para pacificar obstáculos à prática do Dharma e outros em geral. No Vajrayana geralmente a mais importante forma de meditação de divindade na prática de sadhana é a sadhana do Guru, o qual significa meditar no próprio Guru como a divindade. Dentre todas as sadhanas de Guru que surgiram no Tibet, a que é principalmente enfatizada na tradição Karma Kagyu é a de Karma Pakshi, a qual surgiu como um tesouro de mente para Terton Yongue Mingyur Dodje, no século XVII.

Também esta é uma prática que foi prescrita pelo 16º Karmapa como a prática litúrgica principal para a Sangha da Karma Triyana Dharmachakra que completasse as práticas preliminares (Ngondro). A razão disso é que não só dispersa todos os obstáculos da prática de Dharma em geral, mas se a pessoa confia nela como a prática pessoal, como o Yidam da pessoa, ela pode facilmente conceder as duas realizações-despertar e todos os benefícios.

A reencarnação de Karma Pakshi foi o 3º Gyalwang Karmapa Rangdjung Dodje. Ele foi um eminente erudito que também realizou muitos milagres como fez Karma Pakshi. O mais famoso milagre é chamado de "o surgimento de Rangdjung Dodje na lua". Isso aconteceu no seguinte modo: pelo motivo de Karma Pakshi ter tornado-se o Guru da família real da corte imperial na China, Rangdjung Dodje passou automaticamente a ser seu Guru. Desse modo ele passou o resto da sua vida na corte da China. Quando ele faleceu, foi um dia antes da lua cheia. Na noite de lua cheia foi reportado que não somente o imperador e as pessoas no palácio, mas também muitas pessoas através da China viram a forma o busto de Rangdjung Dodje aparecer na lua cheia. Dessa forma foi que surgiu o costume de pintar isso nos afrescos dos monastérios Kagyu onde você muitas vezes verá uma pintura do busto do 3º Karmapa dentro de um disco de lua.

O 4º Gyalwang Karmapa foi conhecido como Rolpe Dodje. Sua atividade particular centralizava-se em um movimento não sectário que começava naquele tempo. O movimento foi iniciado pelo Karmapa anterior que foi o detentor de duas das mais importantes linhagens Nyingma. Ele detinha a linhagem que é chamada de Khandro Nyingtik, a qual é relacionada com os ensinamentos Dzogtchen de Guru Rinpocthe. Essa linhagem foi transmitida a ele, como foi para Longtchenpa, por Vidyadhara Kumaraja. Rangdjung Dodje também detinha uma forma especial de outra importante linhagem Dzogtchen, a Vima Nyingtik que ele recebeu diretamente em uma visão do próprio Vimalamitra. Ela tornou-se conhecida como Karma Nyingtik. Ela tem sido a fonte principal dos ensinamentos Dzogtchen para a Karma Kagyu.

Como o resultado disso, Rangdjung Dodje influenciou tremendamente a tradição Nyingma por ter sido um dos principais mestres de Longtchenpa. Essa função foi continuada por Rolpe Dodje, que foi bastante envolvido com ambas as linhagens. Como resultado disso, o 3º e 4º Karmapa são incluídos não apenas na linhagem Kagyu, mas também na linhagem Nyigma e especialmente na Nyingtik ou linhagem Dzogtchen. Rolpe Dodje é também conhecido como aquela pessoa que deu a ordenação primária para Tsongkhapa, que subseqüentemente fundou a escola Guelugpa.

O 5º Karmapa, Deshin Shegpa, é muito associado com a predição que ele fez com relação ao futuro do Tibet e do budismo no Tibet. Esta predição tornou-se particularmente significativa, pois os eventos que ele previu continuam a acontecer nos dias de hoje. Muitas das predições são relacionadas com eventos no leste do Tibet, tais como o surgimento de grandes mestres, o apogeu e queda de várias dinastias de reinos e principados no leste tibetano e o que ocorrerá (e muito já está ocorrendo) no Tibet central. Essa predição é considerada como uma fonte de orientações para o Tibet e especialmente para a linhagem Kagyu.

Não é de fato possível dizer qual dos Karmapas realizou o maior benefício, pois cada um deles beneficiou os seres igualmente. Todos eles foram eruditos. Todos eles foram siddhas e assim por diante. Mas, há uma diferença na atividade particular ou estilo que cada um teve que foi sempre em resposta às necessidades da época. Por exemplo, o 6º Karmapa, Thongwa Donden, é mais lembrado por sua sistematização da prática litúrgica Karma Kagyu. Ele criou melodias e formas musicais que são usadas nas práticas de Yidam e protetores e compôs muitas das liturgias para práticas de Yidam e protetores.

O 7º Karmapa, Tchodrag Gyamtso, é lembrado principalmente por duas coisas. Uma é por instituir uma forma de acampamento monástico, que na verdade não apenas determinou o estilo de prática e ensino da Karma Kagyu, mas também motivou o surgimento de uma nova forma de pintura de thangka (Karma Gadri). O acampamento criado pelo Karmapa era essencialmente itinerante, que incluía milhares de pessoas - monges e laicos - que ficavam ao redor e trabalhavam com ele. Viajavam de um local a outro por todo o Tibet carregando nas costas os textos dos ensinamentos do Buda juntamente com os seus comentários. O acampamento era renomado pela intensidade da prática das pessoas que viviam nele, mas não somente da experiência de prática dos monges como também dos iniciantes, dos laicos, atendentes etc. Era bem sabido nesse acampamento que quando alguém morria, tal pessoa permanecia num estado de Samadhi e então obtinha liberação nos reinos puros.

Por causa desta liberação na hora da morte, sempre que alguém falecia no acampamento do Karmapa era normal dizer que a pessoa "liberou-se". Tchodrag Gyamtso compôs também um texto chamado "Um Compendio Oceânico de Cognição Incontestável." Esse texto é de significância prática porque é o único texto mais completo e utilizável em lógica ou cognição válida que surgiu no Tibet, e que incorpora todos os vários aspectos da lógica budista tal qual foi ensinado na Índia. O mais espantoso nisso é que ele compôs os textos, que inclui citações de vários textos indianos e ensinamentos de Buda, sem consultar os textos onde estavam tais citações. Os textos originais, no qual foi baseado o texto do 7º Karmapa foram compostos por Dharmakirti, e Tchodrag Gyamtso o escreveu essencialmente de memória meramente traduzindo o que Dharmakirti tinha escrito previamente em tibetano.

O 7º Karmapa foi extraordinariamente estrito em sua conduta monástica pessoal. Ele era tão cuidadoso que, ainda que sua camisa monástica não tivesse mangas, ninguém via a parte de cima seus braços porque ele enrolava-se nos mantos muito cuidadosamente. Houve apenas uma vez em toda sua vida que seu atendente os viu. Isto aconteceu quando ele estava ditando esse texto. Enquanto o atendente estava anotando essa extraordinária, aparentemente improvisada, composição que incluía todas as citações que não foram pesquisadas, ele ficou tão maravilhado que por um segundo parou de tomar notas e virando-se para o Karmapa disse, "Eu nunca soube que estudaste todas estas coisas! Onde aprendeste tudo isso?" O Karmapa respondeu, "Quando eu fui Dharmakirti", e estalou seus dedos ficando envolvido em suas memórias de uma vida prévia. Esta foi a única vez que o monge viu aparte de cima do braço do Karmapa.

O 8º Karmapa, Mikyo Dodje, é primeiramente lembrado como o mais completo erudito de dentre todos os Karmapas que compôs textos de uma erudição e utilidade incomparável e em alguns casos grandes em tamanho e detalhes. Por exemplo: entre as 4 escolas do Budismo tibetano, o comentário sobre Vinaya chamado de "comentário Tsonam", que é usado pela tradição Guelugpa é considerado ser um dos mais completos. De fato, o que é usado na tradição Kagyu, que é o comentário de Mikyu Dodje intitulado "O Disco do Sol" é a única exposição mais extensa e completa do modo de vida monástico que já foi escrita na forma de um comentário Budista. Isso tem, mais ou menos, 3.000 folhas longas (dois grandes volumes). Mikyo Dodje também escreveu sobre cada aspecto do Budadharma. Entre seus trabalhos mais famosos estão: "A Carruagem que Estabelece a Visão da Dagpo Kagyu”, que é um comentário sobre o "Guia para o Caminho do Meio", de Chandrakirti do ponto de vista da linhagem Kagyu; textos de Vajrayana tais como: "A Não Dualidade de Vento e Mente", assim como muitos outros.

Wangtchuk Dodje, o 9º Karmapa, é reconhecido por sua composição de um conjunto de textos dos quais 3 são os mais importantes. Ele escreveu um comentário longo, um curto e um conciso do sistema de prática de Mahamudra Karma Kagyu. O longo é o ”Oceano do Significado Definitivo", o curto sendo "Dispersando a Escuridão da Ignorância" e o conciso é "Apontando o Dharmakaya". Esses três ainda são usados no dia de hoje como os manuais para a prática e instrução do Mahamudra.

O maior artista de todos os Karmapas é Tchöying Dodje. O 10º Karmapa foi um pintor e entalhador, mas o principal era o entalhe. Ele também fez fundição de metais tais como cobre e outros. Muito das estátuas e outros itens que ele criou ainda existem e você pode de fato ver ainda alguns deles. Tem um livro que foi publicado muitos anos atrás intitulado "Karmapa: o Lama da Coroa Negra do Tibet" e neste livro contém fotografias que descrevem os primeiros detentores da linhagem. As fotografias da capa são as estátuas de Tilopa, Naropa e assim por diante que foram feitas por Tchöying Dodje. Ele fez estátuas de todos os detentores das linhagens Kagyu do seu tempo e também muitas outras imagens de Mahasiddhas Indianos, mestres tibetanos, divindades e implementos rituais, tal como phurbas, alguns muito grandes. Com 6 anos já pintava melhor que seus professores, sendo também um talentoso escultor.

De fato, ele não foi o único Karmapa a fazer esse tipo de arte. Tem uma história sobre o 8º Karmapa, Mikyo Dodje, que ilustra isso. Existe uma imagem de Mikyo Dodje criada por ele mesmo, de vários materiais preciosos e semipreciosos misturados. Ele pegou a sobra do material e o moldou com seus dedos como se fosse uma massa moldável, deixando a marca de seus dedos. Tanto a estátua que ele criou quanto a sobra da pedra ainda estão em Rumtek. A história conta que quando ele terminou o auto-retrato na pedra, ele olhou para a estátua, como se falando para si mesmo perguntou; "Bem, você se parece comigo?". A estátua respondeu: "Mas é claro!". 

Tchöying Dordje anteviu as guerras e a rivalidade política que estavam por vir, percebendo que certos interesses políticos no Tibet iriam arrolar o exército Mongol na causa Gelugpa. Sabendo que ele seria forçado a deixar o Tibete central por causa da rivalidade política, o 10º Karmapa doou a maior parte de sua riqueza para os pobres e nomeou Goshir Gyaltsab como seu regente. Os exércitos Mongóis de Gushri Khan atacaram Shigatse e continuaram atacando grande parte do Tibet, causando destruição considerável por todo o país e eventualmente devastando o acampamento do Karmapa. Tchöying Dordje foi forçado a deixar a área. Com um atendente, ele viajou pelo Tibet e depois passou mais de três anos morando na região selvagem do Butão. Mais tarde, viajaram para o que hoje é o norte de Yunnam, Burma e Nepal. Como sempre, onde quer que o Karmapa fosse, ele promovia o Dharma e era capaz de estabelecer vários monastérios pela sua rota. Uns vinte anos se passaram antes que ele pudesse voltar para a sua terra natal.

O 11º Karmapa, Yeshe Dodje nasceu em uma família de devotados budistas na região de Meshö no leste do Tibete. Shamar Yeshe Nyingpo e Gyaltsab Norbu Zangpo o reconheceram como sendo o próximo Karmapa de acordo com as instruções do décimo Karmapa. Yeshe Dordje foi para o Tibet central e foi entronizado no Monastério de Tsurphu. Yeshe Dodje recebeu os ensinamentos e as transmissões da linhagem Mahamudra de Shamarpa. Ele também recebeu os ensinamentos de termas, que são os ensinamentos escondidos de Padmasambhava, de Yongue Mingyur Dodje e Tagsham Nuden Dordje. Isso tornou real a profecia de Padmasambhava de que o décimo primeiro Karmapa viria a ser o detentor de algumas linhagens de terma. Yeshe Dodje foi um grande visionário que realizou muitos milagres.

Yeshe Dodje também localizou e identificou o oitavo Shamarpa, Paltchen Tchökyi Döndrub, que se tornou seu estudante mais próximo e o próximo detentor da linhagem. Contudo, ele se tornaria o Karmapa com a vida mais curta. Durante sua preciosa, mas breve existência, ele mesclou os ensinamentos Kagyu e Nyingma. Ele passou para o pariNirvana depois de deixar uma carta detalhada com Shamar Paltchen Tchökyi Döndrub em relação à sua próxima encarnação.

O 12º Karmapa Tchangchub Dodje, como previsto por seu antecessor, nasceu em Kyile Tsagtor na Província de Dergue no leste do Tibet. Tchökyi Döndrub mandou um grupo de busca e seus enviados levaram a criança para Karma Gön, onde o Shamarpa a encontrou e a reconheceu de acordo com as instruções e previsões do Karmapa anterior. O jovem Karmapa estudou sob os cuidados de vários mestres ilustres. Ele deu profundos ensinamentos Kagyu a um famoso mestre Nyingma do Monastério Kathog que em troca compartilhou seus ensinamentos Nyingma. Tchangchub Dodje em uma peregrinação para a Índia e o Nepal, acompanhado pelo Shamar, Situ e Gyaltsab Rinpotches, deixou um Tibete problemático. Ele foi especialmente honrado pelo Rei do Nepal, que o reconheceu como sendo responsável por interromper uma grande epidemia e fazer chover, terminando com uma séria seca. Na Índia, eles visitaram os lugares sagrados do Lorde Buda.

Depois que o Karmapa retornou para o Tibet, ele aceitou um convite para a China e partiu para aquele país acompanhado pelo Shamarpa. Contudo, prevendo tempos políticos difíceis e percebendo a necessidade de deixar o seu corpo, o Karmapa mandou uma carta ao 8º Tai Situpa com detalhes sobre sua próxima encarnação e, então, sucumbiu à varíola, assim como o Shamarpa sucumbiu dois dias depois. Tai Situpa se tornou seu herdeiro espiritual.

Düdül Dodje, o 13º Karmapa, é digno de nota por ter sido um intenso praticante de meditação. Ele mostrava uma completa falta de preocupação com a maioria das coisas, como administração, assim como por outros assuntos que normalmente teriam preocupado alguém que fosse responsável por um monastério ou, no seu caso, uma linhagem inteira. Ele era como um completo e absoluto iogue a ponto tornar-se uma fonte de inquietação para as autoridades em Tsurphu o fato de que ele não se preocupava em impor a disciplina, programações ou regras monásticas. Ele simplesmente permanecia em meditação.

Por exemplo, se os monges estivessem em seus aposentos, ele diria algo como, “Meus monges, eles não estão em nenhum lugar onde possam ser encontrados. Eles devem estar com fome. Eles devem estar tristes. Alguém toque um gongo e ofereça-lhes algum alimento”. Se os monges estivessem passeando no pátio conversando e passando o tempo, com uma aparência razoavelmente agradável, ele os veria e pensaria, “Bem, meus monges estão felizes hoje. Isso é bom. Eles estão se divertindo”. À medida que ele chegava ao final de sua vida, seus atendentes e outros funcionários de Tsurphu iam a ele e diziam, “Vós sabeis que este monastério vai sucumbir. Nossa disciplina irá desaparecer completamente se vós não fizerdes algo sobre isso”. Então, finalmente o Karmapa disse, “Eu realmente não farei nada sobre isso nessa altura da minha vida, mas eu garanto que alguém chegará um dia e cuidará de tudo isso”.

Como se mostrou, o 14º Karmapa, Thegchog Dodje, era reconhecido por sua execução rigorosa da disciplina monástica, não de uma maneira insensível, mas porque ele estava intensamente envolvido em todos os aspectos da vida monástica. Ele colocou incríveis quantidades de energia em garantir que tudo funcionasse realmente bem. Como resultado, ele esteve também envolvido na criação de algumas práticas rituais anuais que estão ainda grande parte no coração da vida da tradição monástica Karma Kagyu. Uma das previsões que acompanha muitas das profecias do Guru Padmasambhava sobre os Karmapas é que os Karmapas servirão como os herdeiros e os detentores dos ensinamentos de muitos tertons (descobridores de tesouros).

No caso do 14º Karmapa, durante a parte final de sua vida no Século XIX, surgiu um descobridor de tesouros cujo nome era Tchogyur Detchen Lingpa. Quando ele ofereceu seus tesouros em geral, e especialmente certos tesouros, ao Karmapa, o Karmapa imediatamente os instituiu como parte da cerimônia anual no monastério de Tsurphu e essa prática continua em Rumtek. Eles incluem o festival anual do décimo dia e a dança elaborada do Guru Padmasambhava e também a cerimônia anual do ritual de Vajrakilaya de acordo com a tradição de Tchogyur Detchen Lingpa. Enquanto estava em um dos monastérios Karma Kagyu do Tibet oriental, denominado Monastério Karma, Tchogyur Lingpa teve uma visão na qual Guru Padmasambhava mostrava a ele as atividades das vidas futuras do Karmapa começando com o décimo quinto e indo até o vigésimo primeiro.

Tchogyur Lingpa descreveu isso para seu discípulo, o abade do Monastério Karma, Khentchen Rintchen Tarjay, que pintou o relato em uma thangkha. Ela foi preservada e está armazenada no tesouro em Rumtek. A profecia está na biografia canônica de Tchogyur Lingpa, que foi impressa e publicada no grande monastério Nyingma em Mindroling por volta do final do século XIX. Tudo isso ainda existe e, na verdade, essa parte da biografia, essa previsão inteira, foi traduzida e impressa em um livro pelo Kagyu Thubten Tcholing sob a direção de Lama Norla. O livro, que se chama Karmapa, a Profecia Sagrada, tem uma imagem da thangkha que representa detalhadamente a visão de Tchogyur Lingpa, o texto tibetano com o bloco de madeira original e a tradução. Ele está também reescrito, portanto não é difícil de ler. Se você estiver interessado em conhecer mais, pode dar uma olhada neste livro.

De acordo com a carta de previsão deixada pelo 14o Karmapa, o 15º Karmapa Khakyab Dodje nasceu em 1870 e viveu até o ano de 1922. Ele foi reconhecido e entronizado pelos líderes principais do movimento não-sectário do século 19 no Tibet: Khyabgön Drugtchen e Mingyur Wanggi Gyalpo, junto a Djamgön Kongtrul, Djamyang Khyentse Wangpo, Tertchen Tchogyur Lingpa e Pawo Tsulag Nyindje.


Ele recebeu uma educação muito completa de grandes eruditos e eventualmente recebeu a transmissão Kagyu de Djamgön Kongtrul Lodrö Thaye, que também lhe transmitiu a essência das suas cem composições abrangendo os ensinamentos perfeitos de todas as tradições tibetanas assim como os campos de medicina, arte, lingüística e estudos budistas em geral. O 15º Karmapa estudou com muitos grandes mestres, como, Khentchen Tashi Özer.

Ele continuou suas atividades de ensino e deu iniciações por todo o Tibet e preservou muitos textos raros reimprimindo-os. Khakhyab Dodje foi o primeiro na linha dos Karmapas que se casou e teve três filhos. Um deles foi reconhecido como sendo o 2º Djamgön Kongtrul, Palden Khyentse Özer. Ele foi um exemplo brilhante de bodhisattva com o desejo insaciável pelo conhecimento para beneficiar os seres. Ele é conhecido por várias coisas, incluindo sua poesia. Principalmente, ele é conhecido por sua própria perfeição do caminho profundo dos Seis Dharmas de Naropa, que é um dos ensinamentos essenciais da linhagem Kagyu. Alguns anos antes de sua passagem para o pariNirvana, ele confiou uma carta de previsão ao seu mais próximo atendente.

Sua reencarnação foi o 16º Gyalwang Karmapa, Rangdjung Rigpe Dodje, que viveu até 1981 em Rumtek. Ele também veio aos Estados Unidos várias vezes. A principal atividade pela qual ele é lembrado é sua criação do Monastério de Rumtek em Sikkim, que é a sede da Karma Kagyu no exílio. Ele previu a invasão do Tibet e reconheceu que embora o budismo tivesse encontrado seu lar naquele país durante muito tempo, era necessário sair e estabelecer presença em outro lugar. O estabelecimento do Monastério de Rumtek envolveu a criação e a consagração de todas as imagens e textos necessários, a construção de uma escola, um colégio monástico e assim por diante. Atualmente ele é igual ao monastério principal de Tsurphu.

O 16º Karmapa também previu seu próprio renascimento mais uma vez no Tibet e, é claro, como fez em cada uma de suas vidas, deixou uma carta declarando as circunstâncias, local e ano no qual isso ocorreria. De acordo com essa carta e também confirmado pela visão e previsão de Tchogyur Detchen Lingpa no século XIX, o 17º Karmapa, Ogyen Trinle Dodje, foi encontrado. Ele foi entronizado no monastério de Tsurphu e como todos vocês sabem, ele fugiu para a Índia onde está vivendo agora e engajado nos estudos e ensinamentos. Foi previsto pelo 16º Karmapa que a atividade do 17º Karmapa seria tremenda, portanto não há dúvida de que em breve teremosa oportunidade de encontrá-lo.

O fato é que cada um dos Karmapas exibiu tantos milagres e coisas maravilhosas que se eu tentar abordar todas elas, nunca chegaria ao fim. A maioria deles deixou, por exemplo, marcas de seus pés em pedras. A maioria dos Karmapas não deixou apenas as marcas de seus pés nas pedras, mas fez com que os cavalos que cavalgavam e seus cachorros de estimação deixassem também a impressão de suas patas nas pedras.

Uma história particular referente ao 16º Karmapa, Rangjung Rigpe Dordje, me vem à mente. Havia um mest re de retiro de nossa tradição que era conhecido como Drupon Detchen, e viveu por um longo tempo no Ladak. Numa certa ocasião ele disse a Sua Santidade, o 16º Gyalwang Karmapa, “Se algum dia nós pudermos retornar ao Tibet e reviver os ensinamentos lá. Eu farei qualquer coisa que possa para servi-lo”. Em resposta o 16º Karmapa inicialmente disse, “Bem, eu avisarei a você”. Eventualmente, antes de falecer o 16º Karmapa disse a Drupon Detchen, referindo-se à conversa anterior, “Volte para o Tibet em tal e tal ano e tal e tal mês e dia. É quando você tem de voltar para lá”. Drupon Detchen fez o que o Karmapa pediu a ele para fazer há anos atrás, que era para retornar ao Tibet em certo ano, que foi em 1985, em junho ou julho. Eventualmente, o 17º Karmapa, foi encontrado com base na carta de previsão que o 16º Karmapa tinha deixado e foi convidado a retornar à sua sede em Tsurphu.

Agora quando Drupon Detchen examinou o início de vida do 17º Karmapa, descobriu que o dia exato que o 16º Karmapa disse para ele, Drupon Dechen, retornar ao Tibet foi o dia da concepção do 17º Karmapa, portanto eles basicamente retornaram ao Tibete no mesmo dia. Existiram outras circunstâncias sobre o nascimento do 17º Karmapa, Ogyen Trinle Dodje, que foram extraordinárias. Por exemplo, enquanto sua mãe está grávida, ela teve sonhos em que segurava um cetro vajra de ouro e assim por diante. No dia do seu nascimento, na área inteira na qual ele nasceu, as pessoas ouviram o som de uma concha sendo assoprada. Era de tal forma que se você estivesse dentro o som parecia estar vindo de fora, mas se você fosse para fora ele parecia estar vindo de dentro. Em meio a esses e muitos outros milagres, o 17º Karmapa nasceu.

Essa é a razão pela qual tanta ênfase é colocada no papel e na identidade do guru e na linhagem do guru no Budismo Tibetano. Exatamente como o 1º Gyalwang Karmapa, Düsum Khyenpa, na sua realização da onisciência, podia ver tudo que tinha acontecido no passado, estava acontecendo no presente e o que acontecerá no futuro, as mesmas qualidades de liberdade e sabedoria e têm estado presentes na mente de cada um em cada uma de suas reencarnações, na mente de cada e todo Karmapa.

 

Como nós somos seres sencientes comuns, que temos percepções impuras e que, portanto, não podemos encontrar o Sambhogakaya ou corpo de júbilo, para nos beneficiar diretamente, o Karmapa assume a forma de Nirmanakaya, ou corpo de emanação, o que significa, até certo ponto, que ele se parece conosco. Ele tem pais e assim por diante. Para beneficiar os seres externamente de forma efetiva, ele tem de parecer similar o bastante àqueles seres para que eles possam entrar em contato com ele, ainda que internamente ele permaneça a incorporação da sabedoria de todos os Budas. Assim, toda sua ação é uma demonstração da atividade do Buda.

Portanto, tudo o que fizermos para auxiliar ou dar apoio a essa atividade é a mais poderosa forma de purificar os obscurecimentos e reunir acumulações de mérito e sabedoria. Isso garantirá que todas as nossas vidas futuras serão o progresso continuado ao longo do caminho inconfundível para o despertar. Isso tornará a nossa vida presente de grande valor, tornando-a completamente significativa e fará com que nosso estado espiritual melhore constantemente sem inversão ou impedimento de vida para vida. Por meio do nosso envolvimento na atividade do Karmapa, nós seremos levados a alcançar a budeidade mais rapidamente.

Em resumo, a busca de um caminho inequívoco depende de ter um mestre autêntico e se você aceita seu mestre como a personificação do corpo, palavra e mente de todos os Budas o mínimo que se pode dizer é que não haverá nem problemas nem obstáculos no seu caminho. Além disso, se você possui devoção, o mestre está sempre diante de você. Então, não há distância entre você e o mestre e, portanto, o progresso é fácil rápido.

Além do mais, não há nenhuma diferença entre encontrar o Karmapa e encontrar o Buda. Como o Karmapa incorpora a sabedoria de todos os Budas do passado, presente e futuro, e como você tem a oportunidade de entra em contato com ele, significa que embora o Buda tenha passado para o parinirvana há mais de 2.500 anos, você ainda tem acesso direto a ele nos dias de hoje. Entretanto, como mencionei anteriormente, o benefício real do seu envolvimento com o Karmapa depende em grande parte da sua fé, do seu grau de admiração, aspiração e confiança. Se você tiver muita fé então receberá muitas bênçãos. Se tiver pouca fé, receberá poucas bênçãos. Se não tiver nenhuma fé, não receberá nenhuma bênção. Em resumo, o progresso depende antes de tudo da fé.

Quanto à realização do Karmapa, não houve absolutamente nenhuma degeneração ao longo do tempo. Você poderia pensar, “Bem, o 1º Gyalwang Karmapa conhecia tudo sobre o passado, o presente e o futuro, mas agora que já reencarnou dezesseis vezes, o 16o Karmapa provavelmente não sabe nada tanto sobre o passado e o futuro. O 17º Karmapa provavelmente não sabe nada” e assim por diante. Não é assim. Para seres desse tipo, a reencarnação é como o conteúdo de um vaso que é passado para outro. Um exemplo disso é ilustrado na vida do 16º Karmapa que foi chamado para reconhecer não apenas todos os outros tulkus da linhagem Kagyu, mas a maioria dos tulkus de outras tradições—assim como as escolas Nyingma, Sakya e Gelugpa. Quando solicitado a encontrar um tulku ele era capaz de prever os nomes dos pais, onde e quando o tulku nasceu e normalmente detalhes adicionais, como o número de irmãos etc.

Eu vivi com o 16º Karmapa e o servi durante muito tempo, portanto vi muitas indicações de sua extraordinária sabedoria, assim como seus outros atendentes. Para dar um exemplo, um dia ele foi saindo de seus aposentos e olhando para baixo do telhado do monastério de Rumtek, ele começou a rir muito alto. Quando voltou para dentro, um de seus atendentes perguntou a ele. “Por que ria tanto?” e ele disse, “Daqui a um ano esse lugar estará repleto de pessoas”. Exatamente um ano após o dia em que ele disse isso, que veio a ser o dia da cremação do Karmapa, o lugar estava completamente repleto de pessoas.Todos nós possuímos um mérito extraordinariamente grande por ter a oportunidade de encontrar e receber as bênçãos do Karmapa. Realmente, não há limite para as coisas que podem ser ditas sobre a atividade do Karmapa, portanto vou parar por aqui.

*Texto de S.E. Bardor Tulku Rimpoche

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