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Refúgio e Preceitos


O refúgio é um método especial, um caminho de alegria, para nos liberarmos do samsara e alcançarmos a iluminação. Como já explicado nos capítulos anteriores, todos os seres sencientes estão permeados pela natureza búdica, porém, não reconhecendo este estado, eles permanecem confusos no samsara na roda de causas e sofrimento. O sofrimento das experiências individuais é como as ondas do oceano, arrebentando infinitamente, uma após a outra. Enquanto estiver no samsara não espere paz completa e felicidade. O refúgio é o caminho para liberá-lo deste ciclo.


O refúgio corporifica os ensinamentos completos do Buddha. Todas as diferentes práticas, tanto as chamadas preliminares quando as avançadas, todas partem do refúgio. O refúgio é a base, o caminho e a fruição.


O refúgio da base é a natureza primordial não-fabricada, o modo de permanência, a forma como o todo da realidade é constituído livre de confusões. Quer você realize o refúgio ou não, ele sempre foi natural e livre de elaborações. Essa natureza interdependente é a sabedoria absoluta que permeia todos os fenômenos do samsara e do nirvana sem dualidade. O Buddha realiza completamente esta realidade, assim, esta sabedoria que tudo permeia e o Buddha não podem ser diferenciados.


É por isso que dizemos que o Buddha despertou completamente do sono da ignorância e alcançou todas as qualidades excelentes. Neste estado de sabedoria, nada está oculto. Todos os universos são óbvios; não há necessidade de especulação; não há nada a ser investigado. Como tudo está presente, dizemos que o Buddha realizou o pensamento não-conceitual que corporifica a compaixão e a sabedoria primordial incondicionais e que tudo permeiam. Deste estado, o Buddha manifesta muitas diferentes formas para beneficiar os seres sencientes. A base para todas estas manifestações é o dharmakaya. Como o espaço, ele é livre de elaborações e é a base para todas as qualidades e manifestações. A partir dele o Buddha manifesta uma forma chamada de sambhogakaya, um corpo celestial, para beneficiar os bodhisatvas avançados. Então, para os praticantes comuns, o Buddha se manifesta na forma nirmanakaya, o corpo de emanação. Através destes diferentes estados de manifestação ele oferece todos os ensinamentos que descrevem completamente o samsara e a iluminação. Por estas razões, tomamos refúgio no Buddha.


Para atingirmos a iluminação devemos estudar e praticar todos os ensinamentos do Buddha para dissipar nossa confusão e alcançar a liberação do sofrimento. Portanto, tomamos refúgio no precioso Dharma. Para estudar e praticar precisamos de guias e exemplos. Um exemplo claro é encontrado na sangha, os grandes bodhisatvas, assim como os Arhats Ouvintes e Realizadores Solitários, que estão avançados em seus estudos e realização dos ensinamentos, e que possuem confiança inabalável no Buddha e no Dharma. Portanto, tomamos refúgio na sangha.


Ao tomar refúgio no Buddha, no Dharma e na sangha começamos a seguir o caminho da purificação dos diferentes tipos de obscurecimentos e a reunir os dois tipos de acumulações de mérito e sabedoria. Isto se chama “refúgio do caminho”.


Seguindo o caminho incansavelmente, persistentemente, com confiança total e devoção, atingiremos o resultado – a iluminação completa e insuperável, que é o dharmakaya. O dharmakaya é a designação do Buddha que corporifica completamente os ensinamentos do Dharma e é o estado de perfeição da sangha. Isto se chama “refúgio da fruição”.


Portanto, o refúgio corporifica todos os ensinamentos. Não o considerem apenas como uma prática preliminar, não sendo uma prática principal. Ele é importante como o primeiro passo em direção às portas da iluminação, e ele é importante no meio e no final. Como este caminho do refúgio apresenta os meios para dissipar nossa confusão sobre as causas do sofrimento e o método para realizar as qualidades excelentes do Buddha, do Dharma e da sangha, ele é o meio para atingir alegria, paz e felicidade. É por isto que ele é chamado de “o alegre caminho do refúgio”. Sempre pratique o refúgio com alegria e o sentimento de ser muito afortunado. Sacrifique-se enfrentando alguns pequenos sofrimentos de forma a se liberar de todos os sofrimentos.


Os preceitos também são chamados de votos ou ética moral, que é o mesmo que disciplina. De modo geral, para alcançar a iluminação devemos purificar todos os obscurecimentos e nos afastar das ações não virtuosas. Historicamente nunca houve um Buddha que não tenha sacrificado estas obscuridades e aperfeiçoado as qualidades de sabedoria. Por este motivo, existem tantos diferentes níveis de preceitos com tantos diferentes números de votos. Esses preceitos são colocados como um veículo especial para a abstenção das ações não-virtuosas, para manter o corpo, a fala e a mente de acordo com um estado harmonioso e as ações virtuosas. Desta forma, os preceitos são uma fundação importante para o desenvolvimento de nossa concentração meditativa e da realização da visão profunda. Eles são a fundação para todo o crescimento espiritual, a verdadeira causa do renascimento em uma próxima vida com uma existência humana preciosa.


Algumas pessoas pensam que ética moral e disciplina não são importantes ao se praticar a mais elevada yoga tântrica e a visão da vacuidade; elas acham que os preceitos são direcionados para praticantes inferiores, e não para os avançados. Isto pode estar indo longe demais. Pelo contrário, aqueles que são mais realizados nos aspectos sutis do Dharma têm uma conduta ainda mais sensível e genuína, constituindo um grande exemplo para os seguidores.


Seguir os preceitos e mantê-los é uma prática de 24 horas por dia. É um verdadeiro teste para os praticantes do Dharma sustentar sua disciplina a cada momento pelo resto de suas vidas. Utilizar toda nossa energia de formas virtuosas é um método muito importante para o treinamento do corpo, da fala e da mente. Assim, seria bom para todos os praticantes do Dharma seguirem, pelo menos, os cinco preceitos, treinando-os bem, e pensarem mais seriamente em se tornarem um monge ou uma monja. Ao invés de pensar que vocês foram colocados numa prisão, tomem os preceitos como ornamentos. Para aqueles que os sustentam bem os preceitos podem se tornar uma fonte de paz e alegria, e são uma forma especial de praticar purificação. À medida que a purificação aumenta, as emoções aflitivas diminuem, oferecendo uma chance maior de realizar a natureza da mente, o Mahamudra.


Trecho extraído do livro "Ornamento da Preciosa Liberação" de Gampopa.

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