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Mulheres Notáveis do Budismo I

AO LONGO de sua história, o budismo na Índia, e também no Tibete, presenciou o surgimento de um grande número de mulheres notáveis. Algumas foram bem conhecidas, cujas vidas estão registradas em textos. Outras cujos os nomes foram apenas momentaneamente gravados na memória. E por fim, aquelas que permaneceram no anonimato.

Na época do Buddha, é provável que muitas discípulas tenham atingido o estado de arhat. Haviam muitas monjas, o Vinaya relata o caso de Sukyegu Dangmo e as 500 monjas que a acompanharam.


Iremos mencionar aqui algumas das que deixaram inegavelmente uma marca ao longo da história do budismo na Índia.


GUELONGMA PALMO ­– Guelongma Palmo nasceu em uma família nobre no noroeste da Índia. Ainda muito jovem, ela

decidiu renunciar seus privilégios de princesa e seguir uma vida monástica.

Sua vida teve uma reviravolta dramática quando ela contraiu lepra. Obrigada a deixar o monastério e abandonada pelos seus servos, ela retirou-se para uma pequena casa, longe de qualquer outra habitação.

Não obstante, em seu desespero ela foi afortunada e teve uma visão em sonho do rei Indrabhuti, que a aconselhou a praticar Avalokiteshvara (Tchenrezig). Se assim o fizesse, isso iria levá-la a realizar a natureza de sua própria mente. Assim, ela se aplicou, recitando o mantra do Buddha da Compaixão dia e noite.

O tempo passou, e Guelongma Palmo, não obtendo resultado, ficou desencorajada. Outro sonho trouxe à ela novas instruções. Dessa vez, Manjushri (Jamyang) apareceu diante dela e disse, "Vá para Lekar Shinpal e lá continue com sua prática de Avalokiteshvara. Dentro de cinco anos, sua realização será igual à de Tara."

Guelongma Palmo foi ao lugar indicado no sonho e além de recitar o mantra ela jejuava dia sim, dia não. Graças às bênçãos de Avalokiteshavara, ele ficou então completamente curada da lepra e seu corpo recuperou o frescor da juventude.

Quando ela tinha 27 anos, chegou ao primeiro estágio de bodhisattva. Ao mesmo tempo Tara apareceu na sua frente e disse, "Você obterá a capacidade de realizar a atividade dos buddhas dos três tempos."

Depois, Avalokiteshavara apareceu para ela em todo o seu esplendor, na sua forma com 1.000 braços e 11 faces, seu corpo repleto de divindades das quatro classes de tantras, iradiando incontáveis terras puras pelos poros de sua pele.

Guelongma Palmo estava repleta de admiração. Contudo, não podia abster-se de repreender a divindade. "Embora eu tenha completado a sua prática por um longo período e com muito esforço, porque você se revela para mim somente agora?"

"Assim que começou a recitar meu nome, eu estive com você e nunca deixei de estar com você desde aquele período. Existiam véus kármicos encobrindo a sua mente e impedindo-a de me ver," respondeu Avalokiteshavara.

Recebendo novas instruções diretamente de Avalokiteshvara e dando continuidade à sua prática, Guelongma Palmo finalmente atingiu o décimo nível de bodhisattva.



MANDARAVA – O budismo tântrico foi introduzido no Tibete pelo grande mestre indiano Padmasambhava, no século VIII da nossa era. Dentre seus muitos discípulos, duas mulheres foram suas companheiras místicas, cada uma desempenhado um papel importante. Uma delas era uma indiana, Mandarava. A outra, Yeshe Tsogyal, era uma tibetana.

Mandarava, que recebeu seu nome de "árvore paradisíaca com flores vermelhas", era filha do rei Sahor. Quando ela tornou-se companheira de Padmasambhava, seu pai ficou tão irritado que ele ordenou que o yogi fosse queimado vivo. Contudo, Padmasambhava transformou as labaredas de fogo em um lago. O rei ganhou fé nele e entregou o reino e a princesa para ele.

Quando Padmasambhava partiu para o Tibete, Mandarava ficou para trás na Índia. Contudo, ela apareceu miraculosamente na Terra da Neve e conversou com seu mestre.



NIGUMA - Niguma é considerada as vezes como sendo a irmã Mahasiddha de Naropa, e outra como sua companheira

mística. Sabemos muito pouco sobre sua vida, exceto que ela obteve a imortalidade do corpo de arco-íris e que ainda vive na misteriosa floresta de sândalo em Sosaling na Índia, onde seres puros podem encontrá-la.

Esse foi o caso de Khyungpo Naldjor, um mestre tibetano do século XII, fundador da escola Shangpa no Tibete, depois de ter recebidos instruções na Índia durante muitos anos. Aconselhado por diversos de seus professores a encontrar Niguma, ele foi à floresta de Sosaling. Depois de muitas andanças e longas súplicas, finalmente ele encontrou Niguma na forma de uma dakini de pele negra dançando no céu, segurando um damaru e uma kapala em suas mãos. Khyungpo Naljor curvou-se, ofereceu a ela ouro e pediu por instruções.

Niguma aceitou as oferendas apenas para jogá-las fora com desdém. O tibetano ficou amedrontado, se perguntando se ele não havia sido confrontado por uma dakini comedora de carne, ao invés da famosa yogini. Niguma fez surgir uma montanha alta e, do cume, quatro córregos de ouro fluíam sem parar. E falou ao seu visitante:

"Se a pessoa tem visão pura, tudo é ouro. Sem a visão pura, não existe ouro em parte alguma. Eu não preciso do seu ouro."

Ela devolveu o ouro que havia jogado fora alguns momentos antes. Então, ela concedeu seus ensinamentos e iniciações para Khyungpo Naljor, dizendo, "entre os fenômenos ilusórios, através da aplicação da meditação ilusória, o despertar ilusório surge pela força da devoção".




SUKHASIDDHI- A história de Sukhasiddhi, como a de Niguma, a quem ela é praticamente contemporânea, pertence à coleção de histórias dos Mahasiddhas da Índia antiga. Começa na Caxemira, em uma família de camponeses durante um grave período de fome na região. Todas as provisões na casa haviam se esgotado. Sobrara apenas uma tigela de arroz.

O pai e o filho, em desespero, decidiram ir mendigar. Ao sair de casa, disseram à mãe para guardar o arroz que sobrara para a "grande lua negra", uma expressão de miséria profunda, caso voltassem de mãos vazias.

Durante a ausência dos dois, um ascético mendicante bateu na porta e disse que seu nome era "Grande Lua Negra ". Para mostrar respeito ao monge e acreditando que estava obedecendo seu marido, a mãe ofereceu a ele a tigela de arroz remanescente.

À noite, o pai e o filho voltaram para casa desesperados, não obtiveram nada, apesar do esforço do dia todo. Para superar sua exaustão, pediram à mãe para cozinhar o arroz que tinham reservado. A mãe lhes disse que a Grande Lua Negra veio e, em conformidade com as instruções deles, ela deu a comida preciosa. Os dois homens tornaram-se tão raivosos que jogaram a pobre mulher para fora, sem esperar por sua explicação.

Vagando pela estrada, a mulher eventualmente chegou à Terra de Orgyen, a oeste da Caxemira. Ela abriu uma loja no mercado da aldeia, vendendo cerveja de cevada que ela mesma preparava. Em uma floresta próxima, estava morando o grande yogi Virupa. As yoginis que o serviam visitavam o mercado com frequência e compravam a cerveja da senhora, pois seu mestre gostava de como era fabricada. Curiosa sobre o destino da cerveja, a mulher uma vez perguntou para quem compravam a cerveja.

"É para nosso mestre, o yogi Virupa", disseram as compradoras.

Misteriosamente tocada pelo nome que ela nunca havia ouvido antes, a mulher recusou-se a cobrá-la de novo.

Virupa logo perguntou sobre a origem da excelente cerveja que elas compraram.

"É de uma senhora no mercado, ela mesmo a prepara", explicaram as servas, "e logo que ela soube que era para você, ele recusou o pagamento".

"Peça a ela para vir aqui', respondeu Virupa, que entendeu que a fé e devoção dessa senhora a tornaram pronta para instruções.

Levando consigo uma grande quantidade de cerveja para uma oferenda, e seu coração repleto de emoção, a velha vendedora foi visitar Virupa. Ele imediatamente concedeu ensinamentos e iniciações para ela. É dito que, em uma noite, ela obteve liberação e miraculosamente recebeu a beleza e frescor de um corpo de 16 anos.

Ela então, tornou-se conhecida pelo nome de Sukhasiddhi, "Realizada pela Felicidade" e recebeu diretamente ensinamentos do Buddha Vajradhara.

Instruções deixadas por Sukhasiddhi e Niguma tem sido transmitidas até os tempos modernos. Elas estão integradas no cânone da ordem Shangpa.



Trecho do livro "Tara - The Feminine Divine", de Bokar Rinpoche, Clear Point Press, California, 1999.



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