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Mente e Consciência no Budismo

Transcrição da palestra ministrada por Lama Karma Tartchin na UFRJ, durante o I Seminário Internacional Consciência, Mente e Corpo, em janeiro de 2012

Bom dia. Bom dia. Ahn... A Camila, há um tempo atrás... Está ligado aqui? Será que minha voz é muito baixa? Agora está melhor.


Bem, há pouco tempo atrás a Camila me contatou, perguntando se eu não gostaria de falar alguma coisa sobre consciência no Budismo, neste seminário que está acontecendo aqui. Eu fiquei meio assustado, porque não tenho formação nenhuma. Então, todo mundo aqui faz Psicologia, tem algum tipo de graduação. A única informação que eu tenho sobre isso é dentro do estudo do Budismo; então, não estudei tanto assim, mas tive a boa fortuna de ter grandes mestres, grandes pessoas que realmente praticaram a meditação, tiveram experiências e puderam passar um pouco. Eu tentei ouvir um pouco e fazer uma ligação dentro do que eu ouvia com a minha própria experiência de prática dentro do retiro.


Falar sobre mente no Budismo, até mesmo os grandes filósofos budistas, eles talvez entrem em conflito, porque há vários pontos de vista. Os grandes mestres budistas, os budistas em si, qualquer escola budista de filosofia, eles nunca vão discordar com relação à realidade última, à iluminação em si, o que chamam de realidade absoluta, suprema, mas vão sempre debater com relação à realidade relativa, que é essa realidade condicionada. A realidade condicionada de que falamos é sempre sob o ponto de vista da própria realidade condicionada. Inclusive, quando falamos sobre a realidade última, ainda falamos do ponto de vista da realidade condicionada. A gente fala dentro dessa realidade que nós percebemos ao mundo externo e a nós mesmos, que é baseado em causas e condições, tem dependência de alguma forma, porque ela nunca surge sozinha. Então, existe uma grande discussão. Tem várias escolas que têm seu nível de abordagem até dependendo com o que o Buddha ensinou. Por isso, o Buddha deu o primeiro ciclo de ensinamentos, que é o primeiro giro da roda do Dharma, sobre as Quatro Nobres Verdades, mais a interdependência (os doze elos).


Todo mundo já ouviu falar sobre isso, ou da Roda da Vida talvez. É muito discutido. E depois ele deu o segundo giro da roda do Dharma, o segundo ensinamento, baseado em sabedoria, ou na realidade última de todas as coisas, conhecida mais como prajnaparamita, que é a perfeição da sabedoria, e que ele vai debater sobre e mostrar qual é a realidade de todas as coisas, tanto daquilo que é percebido quanto do próprio percebedor. E no terceiro nível de ensinamento, o Buddha falou sobre uma coisa chamada tathagatagarbha, que é sobre a essência dessa iluminação. Primeiro ele falou que o sofrimento era verdade, existia, aí falou das causas do sofrimento, sobre a cessação do sofrimento e dos meios que levam à cessação do sofrimento. Também falou da interdependência, como isso funciona dentro desse nosso modo de vida condicionado, que a gente normalmente chama de samsara.


No segundo giro da roda do Dharma, ele falou que na verdade não existe sofrimento, não existe causa do sofrimento, não existe cessação do sofrimento, e não existem meios que levem à cessação. Aí teve alguns grandes discípulos dele, que ouviram esses ensinamentos e tiveram um ataque cardíaco com problemas e tipo um estresse mental, porque tudo que eles acreditavam, que seguiam, de repente foi derrubado. E na terceira vez ele falou “não, tem alguma coisa, sim, mas está totalmente além do que nós todos podemos perceber, que é a natureza de Buddha.”


Daí começou-se uma grande discussão, até porque os budistas, os praticantes budistas que tinham que talvez expor intelectualmente, filosoficamente, aquilo que era a experiência de meditação, e às vezes até mesmo contra argumentar com as escolas não budistas da época. Surgiram vários modos de descrever o que é a realidade em si. Mas de uma forma concisa, tentando pegar desde o mais básico até a visão mais suprema, irei apresentar em que a minha Escola se baseia.


O Budismo tem várias palavras em tibetano para descrever “mente”. A atividade mental em si, que a gente vive e fala assim, tudo que a gente percebe, é chamada de “yi” mas, descrevendo o estado dessa mente, nós vamos ter dois aspectos: Um chamado “sem”, que é a mente em si, todo o composto de confusão, de percepção de erro, cognição, que vê, que julga, que acha que é alguma coisa, que acha que o outro é alguma coisa; trabalha tudo isso. É aquela que leva de ponto em ponto. Digamos que ela surge num instante, um instante dessa mente, e ela dá vazão a outro instante, a outro instante, a outro instante, e assim vai. O outro aspecto é o estado real ou a realidade da mente em si, que é chamada de “sem nyid”, do tibetano também, que fala como se fosse o estado real, a esfera da mente totalmente pura. Por mais que possamos usar palavras para descrever esse estado, “sem nyid”, vamos ainda usar palavras e referências características que são relativas. Ela só é alcançada em um estado último de realização; então, nós vamos nos ater ao que nós bem conhecemos aqui, que é nossa mente, a percebedora de todas as coisas, e que julga e que vê tudo.


Basicamente essa mente, “sem”, é dividia em consciências, o que se chama de consciências. Ela funciona dessa forma; não que haja várias consciências, ela tem o aspecto de parecer que são várias consciências ao mesmo tempo. Um dos argumentos de uma escola “brahmânica”, se não me engano, em debate com a escola budista, é que na verdade eles dizem que nós temos uma mente só, é como se nós fôssemos um macaco dentro de uma casa cheia de janelinhas, e ele olha a cada vez, e de fora parece que são várias consciências. Mas a visão budista fala que não, que na verdade são várias consciências, não é uma só. Quando olha por uma janela e percebe alguma coisa, a outra não funciona. São cinco consciências, que são os cinco sentidos, mais uma consciência mental que julga, depois uma sétima e uma oitava consciências.


Como é dividido isso? Essa nossa mente confusa, e como ela trabalha? O indivíduo tem uma experiência qualquer, surge uma experiência. A primeira coisa que essa mente faz é dividir essa experiência em “eu” e “outro”, porque ela é uma mente que não reconhece a si mesma como totalmente livre de qualquer confusão, de qualquer julgamento. Isso é por hábito. E, ao dividir essa mente em “eu” e o “outro”, o que acontece é que a primeira reação que se tem é dizer “eu gosto do outro, eu não gosto do outro, eu sou indiferente ao outro.” Aí tem três confusões básicas, que são a ignorância, o apego e a aversão. E através desse apego e aversão de “eu gosto do outro, eu não gosto do outro”, quando gosta do outro a pessoa quer obter aquilo que gosta, quer se aproximar daquilo que gosta, é uma tendência, sempre acontece isso. E quando ela não gosta de alguma coisa ela quer se afastar daquilo que traz sofrimento para ela, e daí gera ação, que é para causar reações de acordo com a ação, e assim é uma coisa sem fim. Nesse sem fim, o que acontece com essa consciência que está dentro desse emaranhado todo, desde um tempo sem começo, ela tem vários tipos de perseguições. Como a gente tem essa ideia de “eu”, quando Buddha começou, desde o básico ensinamento ele disse: “o eu não existe”.


Havia na Índia nesta época as grandes filosofias. Havia os niilistas, que acreditavam que não existia nada, e aqueles que acreditavam no existencialismo, que existia alguma coisa; Então, quando Buddha estabeleceu os primeiros ensinamentos, ele postulou a ideia do “anatman”, a não existência do “eu”. Como alguma coisa que seja auto existente, que é substancial e que pode existir por si só, independentemente de qualquer coisa, e que tem uma continuidade, que é uma coisa que está aqui, que continua incólume, sólida, individual, de um ponto ao outro. Ele postulou que não existe, que não pode existir, e depois debateu sobre isso. Ele disse que isso que nós chamamos de “eu” agora, de “eu sou assim”, nada mais é do que cinco coisas que acontecem, chamadas de “skandhas”, traduzidos por sua vez como “agregados”, mas a tradução não é “agregados”, no tibetano chama-se “pungpo”, que quer dizer “montes”, como se fossem pilhas, coisas que surgem momentaneamente.


Então você tem a forma, as sensações, a percepção, o que chama de formações mentais, e tem uma consciência, alguma coisa que observa, que está ali cognizando, está percebendo tudo. A forma todo mundo sabe, é tudo que vemos, tudo que é visual e tudo que podemos perceber, com cores e formas. Sensação... melhor começar pela percepção. Você percebe as coisas. Após perceber, tem uma sensação, de ser ruim, prazeroso ou não. E depois vêm as formações mentais: isso é assim, isso é assado, eu gosto disso, isso é branco, isso é preto, e assim você vai formulando em cima disso. E esses quatro agregados, forma, sensação, percepção e formação mental, surgem da consciência. Eles nascem da consciência, a consciência dá surgimento a isso.


E como essa consciência funciona? Geralmente, a gente tem essa concepção de oito consciências. Às vezes vocês vão ouvir até o Dalai Lama falando, ele vai sempre falar de seis consciências, porque a escola filosófica deles utiliza esse ponto de vista. Mas as Escolas Kagyu, Nyingma e Jonang usam oito consciências. Nós temos as cinco consciências do sentido, audição, visão, olfato, tato e paladar, e temos uma sexta consciência mental. A grande coisa é que essas cinco consciências se apegam em um órgão físico. A consciência da visão, ela se apega no olho, da audição no ouvido, e assim por diante, do tato por todo o corpo. E a consciência mental, que é a que julga, permeia todo corpo todo. Ela não tem um órgão específico. A diferença é que, dentro da visão budista, essas cinco consciências dos sentidos não julgam, não discriminam, não caracterizam nada. A visão só vê, a audição só ouve, o tato só sente e o paladar só sente o sabor e assim por diante. Ela usa esses órgãos físicos como meio de contato com os objetos, que chamam de “ayatanas” que são no total doze.


Essas cinco consciências não discriminam, não julgam se aquilo é bom ou é mau, elas só percebem. Quem faz isso é a sexta consciência, a que vai julgar se aquilo é bom, se aquilo é ruim, se eu gosto, e vai como que apreender aquela situação. Só que essa sexta consciência não tem contato direto com o objeto. Ela recebe as informações captadas pelos órgãos dos sentidos, no caso, físicos, que são conduzidos pelo aspecto das cinco consciências. Vocês sabem que nós não somos perfeitos; nossos olhos não veem tudo, nós não sentimos tudo, nós não cheiramos tudo. Automaticamente, essa sexta consciência pega essas informações filtradas e poluídas e distorcidas e tenta construir alguma coisa em cima daquilo. Alguma coisa que ela possa identificar e trabalhar com aquilo. Então, na verdade, de uma forma última falando, nada que nós percebemos agora é o que acontece. Nós não temos a percepção real do nosso mundo exterior, porque os nossos sentidos, os órgãos dos sentidos não têm a capacidade de abranger toda a gama do que, por exemplo, esse relógio transmite, então nós não vemos a totalidade do que é isso. Nós vemos o que nossos olhos podem ver, o órgão físico, e nossa sexta consciência capta essa informação e trabalha em cima disso, e as cinco consciências também, dos sentidos, elas não têm memória. Elas só conseguem se ater ao presente, elas só veem o momento agora, não veem o futuro, nem veem o passado.


Já a sexta projeta, constrói o futuro e monta o passado; devido a informações, ela consegue fazer esse tipo de situação. É como se eu olhasse para esse relógio aqui agora e eu fechasse o olho, virasse para cá, e agora olho para parede. A informação vem da parede, a minha visão não tem essa memória, senão eu poderia ver ao mesmo tempo. Quem faz essa memória de acordo com o estudo no caso da minha filosofia budista, da psicologia budista chamada de Abidharma, é a sexta consciência. Ela guarda as impressões e fica tentando juntar pedacinhos e consegue fazer esse fluxo de passado, presente e futuro. Como ela, a sexta consciência, esse aspecto da consciência como consciência geral, é deludida. Deludida, ela engana-se, não que a realidade exterior a engane, mas ela se engana com a realidade exterior. Ela continua presumindo, construindo ideias baseada nas informações errôneas que já tinha, e isso leva a mais informações errôneas. Então, ela tem atitudes ou pensamentos, criações, sentimentos, julgamentos, tudo baseado em informações confusas.


Por isso o Budismo diz que tudo é ilusão, no sentido não que tudo não exista, não aconteça, mas sim essa percepção nossa de nós mesmos e do mundo exterior. O Budismo diz que tem o interno e o externo; interno é tudo que acontece dentro da mente, e externo é tudo que acontece fora da mente. Interno são os pensamentos e emoções, externo é tudo que percebemos pelos cinco sentidos, e diz que isso é ilusão porque ela não consegue ver a realidade dela mesma e nem das coisas que estão à sua volta, e isso é um ciclo contínuo de confusão. É uma confusão criando confusão. Confusão que eu digo é o total não conhecimento. Essas cinco consciências, seis consciências, são bem aparentes para nós. Conseguimos perceber claramente aqui agora, e até a sexta consciência. E essa sexta consciência vai dar origem a uma ideia muito forte de que eu faço isso, eu tenho essas características, com as formações mentais. Ela cria, como diz um conhecido meu (ele é muito bom nesse tipo de assunto), parafernália conceitual. Nós temos uma quantidade de parafernália conceitual muito imensa, por achar isso, apontar aquilo e estabelecer outras coisas, e ela faz criar esse “eu”.


O que a gente diz no Budismo é que, se você for procurar uma essência nesse “eu”, você não vai encontrar nada, nem fisicamente, nem na base da sensação, nem na base da percepção, nem nada. Não vai encontrar uma entidade que exista por si só, que você possa contar tanto fisicamente quanto mentalmente, em qualquer estado que lá esteja, que você não possa desmembrar em outros. Não é que a ideia de “eu” não aconteça, não é que nós vamos deixar de falar que tudo agora é “nós” e que não tem mais “eu”. Não é, nós vivemos dessa forma, e o problema todo é que essa sexta consciência se agarra nessa ideia de “eu” como auto existente. Não que isso não funcione; existe um funcionamento tranquilo da máquina, o problema todo é a fixação em um “eu” contínuo existente que precisa ser protegido, que precisa ser cuidado, que nós tentamos fazer com que continue, que seja eterno, mas se nós pararmos e observarmos, o “eu” de cinco anos atrás não é o mesmo de agora. Não tem como você parar o “eu” no tempo e continuá-lo e ser a mesma coisa para sempre. Só que essa confusão contínua de situações, a gente não percebe, porque as emoções surgem e queremos sempre alimentar essa situação, achando que esse mesmo “eu” é contínuo. Só que isso acontece muito pontualmente, assim, muito rápido, a gente chama de, na escola filosófica mais básica do Budismo, de “sarvastivada”: acreditam na ideia de um instante de consciência.

Não tem uma mente só, existe instante de consciência que surge, que dá origem ao outro; enquanto esse dá origem ao outro, o anterior já desapareceu, como se fosse colocando uma pilha, como se eu tivesse uma tábua para atravessar um lamaçal: você bota uma tábua para atravessar, pega outra, surge e a outra vai desaparecendo. Não é a mesma consciência só, mas sim vários instantes, momentos de consciência sucedendo um ao outro. E isso acontece tão rápido, nós estamos tão atolados nisso, tão presos a essa identificação que não percebemos que isso é um instante de consciência, e ele se fixa nisso achando que é um só, que é um "eu", uma essência auto existente (atman). E assim funcionam essas seis consciências, basicamente, sendo a sexta consciência a que realmente se fixa em um “eu” totalmente identificável, vamos assim dizer; a gente consegue identificar esse “eu”. Só que essas seis consciências não são permanentes, não acontecem sempre. São momentâneas, às vezes acontecem, às vezes não. Nós podemos fechar o olho -- não vamos mais ver. Nós podemos ficar surdos -- não vamos mais ouvir. Ou podemos perceber, jogar nossa atenção tão fixamente em uma dor, uma sensação, que a gente não escuta nada, ou não vê nada, ou não pensa nada, então elas acontecem em situações.


Há muito sutilmente, e que nós não percebemos (“existe” é uma palavra forte no Budismo), mas acontecem muito sutilmente, as chamadas sétima e oitava consciências, que são muito sutis. Apesar de a gente não conseguir perceber a mente no dia a dia, totalmente consciente, ela é aquilo que dá base para a sexta consciência e pros cinco sentidos. Uma é a sétima consciência. A sétima consciência, chamada “consciência klesha”. Eu tento às vezes entender uma palavra para tentar traduzir “klesha”, mas não consigo. Inclusive traduções inglesas, “emotions”, “venenos mentais” não funcionam para “klesha”. Klesha é o estado totalmente negativo que leva o indivíduo a situações, emoções, ou estado mental que leva só à negatividade. Essa sétima consciência é chamada de consciência klesha porque ela é totalmente negativa. Por que é totalmente negativa? Porque ela é aquela que faz estabelecer uma ideia de “eu” que é totalmente subjetiva, que não é visto por nós. Enquanto nós estivermos dormindo, não estivermos pensando a respeito de um “eu” elaborado, ela vai estar lá, continuando, continuamente. Subjetivamente. Muito sutil, e a gente não consegue perceber isso. Essa sétima consciência tem dois aspectos. Um aspecto que faz ligar uma consciência à outra, toda hora que surge, que funciona a consciência visual; ela logo conecta com essa consciência e faz estabelecer a ideia de um “eu”. É como se ela ficasse correndo atrás, conectando com as outras cinco consciências, para fazer um link, a conexão toda de uma ideia de “eu”.


Por que ela é negativa e tem sempre uma ideia de “eu” sutil? Porque essa sétima consciência é a experiência mais sutil da divisão, como falou aqui antes a “de webes”, dessa percepção totalmente livre e pura que acontece sempre daquela mente pura que eu falei, divide a experiência em “eu” e “outro”, e aí a primeira coisa acontece. Ela estabelece que há observador e alguma coisa sendo observada dentro de uma experiência. A mente não vive a experiência em si, indiferenciada ou desassociada do objeto. É a sétima consciência que faz essa separação. Muito sutil, ela está sempre lá. E automaticamente ela fica ligando as outras consciências e dá vazão à ideia maior de “eu” para sexta consciência, que é a que julga, a que está mais em voga percebendo as coisas. Bem sutil. Ela não é momentânea. É intermitente, ela acontece, é um fluxo constante. Não acontece uma hora e outra hora não acontece. Acontece constantemente, como se fosse uma dando vazão à outra constantemente, um fluxo contínuo, sempre, sempre, sempre. Enquanto as outras seis consciências acontecem de vez em quando, nós percebemos uma hora, pensamos em “eu”, julgamos uma hora, outra hora descansamos... Quando dormimos, por exemplo, não estamos pensando em “eu”. Por exemplo, uma ideia. Quando a gente começa o sono, vai dormindo, dormindo, vai perdendo todos os conceitos mentais, perdendo todos os pensamentos, não pensamos em “eu”, não pensamos em nada, mas a sétima está lá, e a sexta se desassociou.



E estávamos falando do tantra aqui. Dentro do tantra do Budismo se diz que existem quatro situações em que há um completo desassociar ou desconstrução de todos os conceitos mentais, os pensamentos conceituais. 1 -quando a gente espirra, que cessa tudo, 2- quando a gente dorme, sono profundo, vai caindo em sono profundo, vai desconectando todos os elementos e os sentidos e as percepções mais claras que a pessoa tem, do mundo dela do que que é, vai apagando, apagando... 3- a morte, e 4- na hora do orgasmo. E aí há toda aquela fantasia em relação ao sexo e a você atingir o estado puro da mente. Mas o grande problema é que essa fixação em nós e no outro é tão grande que a gente sempre confunde essas coisas. Quando acontece isso, desse estado em que vai ser desconstruído tudo isso, no sonho, por exemplo, você vai dormir, aí vai perdendo, não vê mais nada, não sente mais nada, os cinco sentidos vão embora, a sexta consciência para de funcionar, a sétima também dissolve, até ela vai se dissolvendo, não tem aquilo de “eu” ou “outro”, tudo apagado, fica uma coisa básica, que é a oitava consciência, que costumamos chamar de “alayavijnana” em sânscrito, é a consciência confusa, que é a base de tudo da realidade relativa. Essa consciência confusa, que é a base de tudo, porque ela é o sujeito para a sétima, para a sexta e para as cinco, e para tudo, o outro, todo mundo, ela é a base para tudo. Quando ela não é realizada como sendo aquela mente pura, ela é a base confusa, de onde nasce todo o processo.


Ela tem um aspecto também que se chama de consciência depósito: ela tem a capacidade de guardar impressões, não de guardar memórias -- quem guarda memórias é a sexta consciência: o que é, o que gosta... Por isso, quando a gente morre, não se lembra de nada. Ou quando tem algum tipo de amnésia, uma pancada forte, alguma coisa assim, tem um grande trauma, você não se lembra de nada. Mas a oitava consciência, o que ela guarda não são memórias ou dados, o que ela guarda são impressões mentais de estados muito fortes de emoções, ligadas com os cinco kleshas, a confusão mental, com confusão, com apego, com aversão, com apego e ódio (aversão e ódio são a mesma coisa, uma é fria o outro é quente), com inveja e orgulho, baseadas nesses cinco. Então, todas essas impressões que ficam, ficam na oitava. Por isso que diz que quando a dormimos, apagamos tudo, ficamos na nossa base; o sono vai ficando profundo, profundo, de repente surge o sonho. O sonho nada mais é do que grandes impressões do dia-dia que ficam guardadas e voltam a fluir de novo dentro da oitava consciência, só que estamos dormindo ainda e não temos os cinco sentidos operando. Temos impressões da sexta consciência, que tenta montar também um esquema sem que nós estejamos mesmo vendo, ouvindo nada. Ela pega as lembranças e pega aquilo, porque os sonhos são realmente muito malucos, né? Eu já sonhei que eu estava dentro do apartamento, entrei no elevador, ele baixou, subiu, parecia o elevador do Willy Wonka, que sai de lado. Quando eu saía, foi dentro de um bar. Mas a nossa fixação com a realidade que a mente percebe com as sensações é tão grande que a gente não questiona a loucura do sonho, nem questiona se aquele prédio foi construído algum dia, se alguém ali nasceu, se nós surgimos ali, como surgiu aquilo. As emoções são tão fortes e a fixação é tão forte naquilo que os cinco sentidos, essas consciências absorvem, que não questionamos nada.


O Budismo diz que aqui e agora, na nossa realidade aqui e agora, acontece a mesma coisa. Nós captamos erroneamente todas as informações que vemos com os cinco sentidos; a sexta consciência faz aquela grande salada mista de acordo com os ingredientes que ela tem, e serve o prato. A gente saboreia esse prato, se apega a esse prato, quer comer mais, briga para ter esse prato, briga para ter mais, para não acabar, e também briga quando alguém tira esse prato da gente. E esse prato nada mais é do que uma grande invenção, uma grande ilusão que não é a realidade que acontece verdadeiramente. Então, a grande coisa do budismo não é afirmar se as coisas existem ou não, na realidade, mas sim como nós percebemos o que acontece à volta, e como nós percebemos também o que acontece dentro de nós mesmos, e diz que é de uma forma totalmente errônea, até que possamos realmente dissolver isso tudo, essa confusão toda, e nos conectarmos – ‘conectarmos’ não é a palavra correta, mas de realizarmos essa mente inata pura, que não tem nenhuma característica: nada foi adicionado a ela, nada foi dado a ela, ela não tem forma, não tem cheiro, não tem cor, não tem volume. Mesmo essa mente que a gente chama agora de “mente”, e que percebe tudo -- porque a gente tenta segurar o que a gente diz que é um “eu” -- se você parar, pensar e olhar, você não encontra em lugar nenhum, não encontra uma substância. Se você for ver, ele não tem nenhum tipo de formato nem nada.


Basicamente, essas são as funções dessa consciência, num estudo, numa visão bem ampla de como funciona a consciência no Budismo, e esse conjunto de consciências, das cinco consciências dos sentidos, mais a sexta consciência mental, que é a que constrói, elabora, mais a sétima, que está sempre alimentando com a ideia de uma separação, separatividade das experiências em si, da cognição em si, mais a oitava que é a base, que é o não reconhecimento da natureza em si, isso tudo é chamado de mente, ou “sem”, o oposto à mente realizada, ou a natureza de Buda, ou mente clara, ou a claridade, ou a clara luz, que é “sem nyid” em tibetano. E daí os filósofos tibetanos -- tibetanos não, budistas em geral – tiveram vários pontos de vista sobre isso, e detalhando mais. Isto dentro dos textos é muito detalhado, tem vários livros debatendo isso. Hoje em dia temos a grande fortuna de termos muitos textos, não em português, mas em inglês, muitos bons livros de mentes que entendem do assunto, que conseguiram, que conseguem expor. E isso já é tratado há mais de mil, dois mil e quinhentos anos atrás, nessa mesma progressão, nessa mesma finesse, sobre como observar a mente. Então, todas essas observações, dentro do Budismo, não vieram meramente de estudo do objeto, mas todas vieram da própria experiência, da prática, da meditação de cada mestre. Não sei se a gente pode debater um pouco mais, e com perguntas...


Oitava consciência: você tem que entender que essas oito consciências não são oito coisas diferentes separadas em si. São aspectos da mesma mente deludida. O aspecto básico da mente deludida que não reconhece sua própria natureza é essa oitava. Esse oitavo aspecto. Ela em si é a base onde surgem todas as outras. Ao mesmo tempo, é a base e guarda todas as impressões, que faz com que o individuo, essa mente, possa sair daqui e continuar para o futuro. Por exemplo, quando se fala: ‘como é então se não existe mente, não existe nada, o que vai de uma vida para outra?’. Essas impressões padrões chamam-se “phaksha” em tibetano, padrões habituais que seguimos, e esse padrão dá origem a outro padrão, que dá origem a outro padrão. E esses padrões básicos, que não têm nada a ver com a nossa mente que cogniza agora, com nossa mente que classifica, que sabe que amarelo é cor, que isso aqui é quadrado, que sabe ler em inglês, que sabe falar uma outra língua, não tem nada a ver com essa oitava. A oitava é só aquele impulso básico, que faz seguir adiante dentro da confusão. Isso é como se fosse um instinto. A ignorância é o não reconhecimento dessa oitava da sua própria natureza. Ela, ao invés de funcionar, de estar, como uma mente totalmente clara e límpida, apenas é confundida. Ela é o estado confuso da mente clara, é a própria ignorância. Daí surgem todas as confusões: o apego, a aversão, a ideia de “outro”, separatividade, a ideia de “eu”, e isso movimenta uma roda muito grande, uma rede muito grande de ações. Porque às vezes a gente confunde muito essa consciência básica, a oitava consciência, com a sexta consciência e com as formações mentais, que é a ideia de isso é bom, isso é ruim, porque isso é aquilo e aquilo outro, e elas são bem separadas no Budismo. A oitava consciência é só aquela ignorância básica.


A confusão não se dá, ela não tem um início, ela é inerente a todo o processo, que é uma ilusão. Na verdade, esse estado de confusão todo no Budismo a gente tem o exemplo do sonho. No sonho, sua mente se identifica com aquilo, com aquele ser do sonho, ou com um tipo de perigo no sonho, você sofre, chora, ama, faz tudo vividamente, só que quando acorda, nada daquilo aconteceu. Aquele estado confuso só acontecia na confusão. Dentro da confusão não há nada. Por isso que é uma ilusão total, nesse sentido. Ele é totalmente estado delusório. Do ponto de vista da mente iluminada, tudo é perfeito. Tudo só não é perfeito e, sim, confuso do ponto de vista da mente que não reconhece a si mesma. A diferença de um Buddha e da gente (nós temos a mesma natureza, a mesma coisa), é que o Buddha reconhece, ou realizou isso, e nós não. Enquanto seres confusos, digamos assim, aliás presos, a gente faz caminhos, a gente progride melhor, vai tentando chegar a um máximo potencial de consciência total, faz todo um caminho mas, quando chega lá, isso que o Buddha, quando olhou para trás viu, não havia nada, ele nunca caminhou para lugar nenhum, ele nunca foi, galgou nenhum degrau.


Dentro do estado delusório, existe essa situação de criar, fazer, e se conseguir alguma coisa. Quando se alcança o estado natural, aquilo nunca existiu, porque isso é atemporal, não tem tempo, não tem espaço, nada. Tempo e espaço é a mente conceitual que cria, que diz assim: “esse passado já passou”, “o futuro não existe”, quer dizer, o passado não existe, o futuro não existe, o presente também não existe, porque você pode dividir o presente em vários passado, presente e futuro, passado, presente e futuro, infinitamente. Você não vai encontrar uma unidade de tempo real, incólume, paradinha ali, que você pode contar. As mesmas escolas budistas, como eles não tinham o ensinamento do Buddha sobre vacuidade, que é a “sarvastivada e a sautantrica” acreditam. Porque o Buddha, no primeiro ensinamento que deu, só ensinou sobre um tipo de não existência do “eu”, do “eu” do individuo, mas não ensinou sobre o “eu” do fenômeno, dos fenômenos externos. No segundo ensinamento que deu, sobre vacuidade, falou também da não existência dos fenômenos externos, e para provar isso,ele disse que você pode procurar uma unidade básica em qualquer coisa. Tipo: isso aqui é um rosário, um mala. Para um mala existir, tem que ter várias contas, um fio. Tem que ter a ideia, ao lado de um mala, para que serve e tem que ter alguém para cognizar isso. Se não tiver uma mente que cogniza isso aqui, não é, ele só existe na minha mente.


Porque usando as cinco consciências, o olho capta as informações, certo? Quem cria isso aqui e está vendo, e está sentindo também, mas quem está percebendo é a mente conceitual, a sexta, e informações percebidas de forma totalmente impura, que não é a realidade como é, porque meu olho não consegue ver todas as nuanças de vibrações de cores e tudo. Não tenho toda a gama de tato que é para ter, que talvez seja percebido. Diz-se que um golfinho pode perceber muito mais sons que a gente não consegue, então a gente fica limitada à quantidade de coisas que pode perceber, e a mente cria isso. Então esse mala que está aqui fora, só existe na minha mente. Tanto que não sei quais as experiências de vocês, a mente de vocês, do que tem esse rosário, e a experiência é única de cada um. Todo o universo exterior acontece dentro da nossa mente, e julgamos que isso acontece de uma forma exterior independente da nossa própria mente.


Deixe-me ler uma pergunta aqui: em qual mente estão fixados os casos de fobias? Nossas ilusões?


Bem, no Budismo tudo é ilusão, porque tudo nasce da mente; dessa forma, e fobia é a sexta consciência, esse sexto aspecto que é o que julga, que consegue manter uma ideia de passado, presente e projetar o futuro, entendeu? É uma continuação da mesma fixação; essa sexta consciência faz uma continuação da mesma fixação, que vira uma fobia. Ela se prende a uma coisa com muita força, muito, muito afinco e ela mesma dá continuidade a isso. Ela não vê que isso são apenas situações que acontecem, que ela pode se soltar, e isso não vai acontecer mais, então ela se prende a uma ideia que ela mesma criou. Então é a sexta consciência que trabalha, que faz uma fobia.


Qual o objetivo dos mestres budistas? Eliminar as consciências?


Não, a verdadeira é objetivo, ou seria aspiração. Não é objetivo; aspiração de quem realmente é um mestre budista é uma coisa que a gente chama de “bodhicitta”, que é a mente do despertar, que é aspiração altruísta de se chegar à iluminação e daí poder conduzir outros seres também à iluminação. É claro que chegar a iluminação própria é pouco. Ele aspira em primeiro lugar pela iluminação de todos os seres. No caso de outros mestres, ele vai conseguir só tentar fazer chegar até um ponto onde nós estamos, dentro da minha própria experiência. Eu não posso guiar alguém, um cego, se eu estou cego. Quando a pessoa chega num nível que você percebe que ela está no seu mesmo nível, não tem mais nada o que fazer, você passa para outro que tem capacidade de guiá-la mais adiante.


(Pergunta)


Ah, é claro. E na verdade há exemplo de vários discípulos que passaram os mestres, porque não depende do mestre em si. Depende das condições mentais que o discípulo tem, do padrão mental que o discípulo tem acumulado, e ‘eliminar as consciências’ não é eliminar as consciências, é revelar que essas consciências nada mais são do que estados de sabedoria velados. Quando ela se manifesta com os cinco sentidos, você os purifica, a gente diz que ela é a sabedoria que tudo realiza. Por exemplo, os cinco “skandhas”, que são a consciência, a forma, a sensação, percepção e formação mental, a gente diz que são os cinco Buddhas, erroneamente descritos como os “Dhyani Buddhas”, mas são cinco Buddhas da família dos Buddhas (os cinco skhandas em sua forma pura são os cinco Buddhas). Cada um tem um aspecto da sabedoria -- são cinco sabedorias. Em si, esses cinco estados são cinco sabedorias. A confusão em si, que é chamado em tibetano de “marigpa, ou avidya” em sânscrito, que se chama “confusão”. Em sânscrito, o estado básico de confusão, quando ela não é confusa, chama-se “rigpa ou vidya”. Na própria confusão, a essência dela é a clareza. Ela só não é reconhecida. É como se eu tivesse um estado de raiva, de apego, de apego, desejo, e não reconhecesse isso como a sabedoria que discrimina as coisas, um tipo de sabedoria. Eu lido com ela como uma coisa que é para alimentar mais ainda o estado de “eu” e “outro”.

Qual dos oito aspectos sobrevive à morte, se é que algum sobrevive?


Não é que ele sobrevive, Ricardo, é que um instante de consciência dá vazão a outro instante, ela continua nesse sentido. Então quem continua é a oitava consciência, entendeu? Ela é a ignorância básica, é a consciência básica. É ela que faz surgir, que tem os padrões mentais que faz surgir os outros. Na verdade quando se fala de karma, que seria o karma, os padrões, causas e condições, “karma” não é uma coisa que está do nosso lado e nos acompanha. Nós mesmos somos karmas. Karma é esse padrão de hábitos que nós passamos de uma vida para outra continuamente e de um momento para o outro. Agora nós temos uma ideia, uma vontade, certo? Um desejo. Nós vamos fazer uma ação em relação a isso. Isso já conduz a uma reação. Então nós somos esse movimento totalmente, de confusão. Não vou dizer ‘confusão’ mas, nós somos esse movimento inconsciente, sabe?, essa ciranda inconsciente. Então isso também é o karma.


No Budismo vocês acreditam e reconhecem uma energia cosmo criadora consciente pelas religiões, normalmente chamada de Deus?


Não... Filosoficamente falando, não tem nenhum senso lógico isso, dentro da lógica budista, do raciocínio desse ponto de vista, de existir um ser totalmente independente de outro, que sobrevive por si só, algum ser que cria, que tem a vontade, o prazer de criar ou destruir. Ele seria tão preso pela confusão como nós, em um nível diferente. O problema todo é essa reificação dessa palavra, do “eu”, do estado de que eu sou independente, indiferente do “outro”. Então não há uma coisa criadora, uma coisa assim.


(Pergunta) A mente espiritual está mesclada com...


Qual a mente espiritual, que você está querendo dizer? Mente espiritual, o que você define por isso? (plateia) Ahn... Eu vou tentar entender o que você está dizendo com espiritual; eu não tenho essa ideia do que significa mente espiritual. Não tem uma alma, não tem um “atman” que é real e consistente. De acordo com Nagarjuna, grande expositor da Escola do Caminho do Meio, ele logicamente desmancha ou desmonta qualquer ideia de uma qualquer coisa que possa auto existir, por si só, independente de tudo. Alguma coisa que funcione sozinha, que é totalmente independente de qualquer outro fator. Se ela é dependente de outro fator qualquer, então não existe por si só, ela só existe em dependência de outro. Automaticamente, se ela existe em dependência de outro, não pode ser uma coisa totalmente que funcione sozinha, que existe por si só, entendeu? Então, essa mente espiritual, alguma coisa além daqui, talvez seria a ideia de uma alma, de um “atman”, de um “eu superior”, que é totalmente desconectado ou independente de qualquer outro fenômeno que aconteça.

Quais consciências preservam as impressões que são preservadas?


A oitava, eu já respondi isso. Por exemplo, quando morre, inclusive... O que está escrito aqui? Ou temos lembrança, registros, existem anteriores... É a oitava consciência. Só acontece de ter lembranças de uma vida para outra quando as imagens são muito fortes. As impressões são muito fortes, entendeu? Então traz isso à tona. O que acontece com a mente depois da sexta consciência é que ela liga as impressões com o fato, ela vê algum tipo de quadro na frente dela e consegue retornar àquele estado básico de emoção, sensação que ela teve da oitava, e faz essa construção de novo, e parece que está vivenciando a mesma coisa. Mas o que faz, que leva essa situação de uma coisa para outra é a oitava consciência.


Só mais essa: o que acontece com nossas consciências ao atingir a iluminação? Elas se unem a uma energia maior?


Não, o Budismo não tem uma essência. Por incrível que pareça. Quando a gente fala de essência, toda a característica que a gente usa no Budismo para se relacionar a alguma coisa que é sólida e existe, usamos características relativas. Relativas de quê, condicionadas de “eu” e o “outro”. O estado de iluminação, o estado da mente pura, apesar de ter uma clareza, uma lucidez ou, como ele disse, uma awareness -- eu não sei por que, awareness em português fica muito difícil de falar, por conta da palavra, “conscienciosidade”, não sei, não existe isso, não existe no português. Mas é um estado totalmente desperto, só que ele é destituído de qualquer característica, de “eu”, “outro” ou solidez, de dualidade, de não dualidade, de existência e não existência, porque ele não parte desse princípio. Esse princípio só existe nessa situação deludida, essa situação confusa da mente. O estado básico da mente em si não opera e não dá geração a nada baseado na confusão. Então qualquer coisa que surja para ela não há nenhuma característica. Nós, na mente, pensamos na nossa mente confusa, nós temos o grande hábito ou fixação de ter extremos. Ou existe, ou não existe. Ou está ali, ou não está ali. Certo? Só que o estado último de reconhecimento, as coisas acontecem, mas são vazias de existência. Os fenômenos surgem, mas eles não são existentes em si. Apesar de não serem existentes em si, não terem uma solidez, não ter uma existência última, eles ainda continuam se manifestando. É tipo colocar nossa mente no caminho do meio, de fugir dos extremos. É difícil, isso só acontece na base da experiência, não acontece na base da lógica, da dialética explicando raciocínios e pontos de vista. Por isso que no Budismo em si a base é prática. Apesar de ter toda essa bagagem filosófica, ele se desenvolve devido à experiência meditativa do individuo, que é uma coisa que é só dele. Por isso que o Buddha, quando despertou, levou seis semanas, não sabia o que fazia, ficou quieto, porque não tinha como explicar aquilo que ele tinha realizado. Aí teve que descobrir na verdade. Primeiro ele manifestou silêncio, aí veio a descrever quando Indra e Brahma foram até ele e pediram para ele ensinar tudo aquilo. Então ele começou a ensinar passo a passo. Mesmo assim, ele ensinou tudo que ensinou dentro da percepção da realidade relativa. Agora, como a “coisa”, como a realidade realmente é, realidade absoluta, ela só é experimentada dentro da mente ou do estado mental de cada indivíduo. Quando ele passa a caracterizar aquela experiência, ele já a maculou, já trouxe para o campo da realidade confusa. Então a nossa tendência é cada instante nós termos... Por exemplo, vou falar para a gente fechar rapidamente. Às vezes já aconteceu de você acordar na cama assim e olhar e não ter nada, tipo assim, não saber quem você é, não saber onde você está, não saber que você... Um branco total; esse é o estado básico da mente. Só que ela, em um ato de não reconhecer isso, volta para oitava, e a oitava chega à ideia de “opa”, aí, ao pensar em um “eu”, você pensa que tem a ideia de “tem lá e tem aqui”, já é a sétima, e daí começam todas as outras, a sexta e as outras cinco. E cria tudo, aí lembra tudo, você constrói de novo, edifica o “eu” de novo, aquele que estava, o bom e velho “eu”, que estava dormindo no dia anterior. E assim a gente continua a cada instante; a cada instante nós temos esse estado de mente pura iluminada, só que a gente não reconhece isso, a gente passa batido por ele. O que faz a meditação é tentar fazer com que o indivíduo... Por exemplo, na meditação chamada de “shamatha”, a gente lida com as cinco consciências e com o aspecto externo da sexta consciência (o aspecto dela voltado para fora) as seis consciências. Assim, quinta e sexta, basicamente, porque são as mais evidentes. Aí depois tem “vipashyana”, em que você vai lidar com o aspecto interno da sexta e com a sétima e a oitava. Uma é bem exterior, palpável, a outra você vai lidar com o estado básico da sua mente, de onde surge tudo, reconhecer esse estado todo. Bom, no Budismo toda a meditação, seja Budismo Tibetano, que tem a práticas das divindades, as sadhanas, que são todas baseadas nesses dois aspectos. Um vem de “shamatha”, que é de pacificar, acalmar a mente, repousar a mente para poder diminuir toda a influência dessas seis consciências, para que você possa ter um espaço que não perturbe mais, para que você possa com a sua própria mente olhar na sua mente básica, de onde gera toda a confusão, e daí tentar dissolver isso e desenvolver sabedoria. Ok?


Contato? www.kttbrasil.org. Lá você tem as informações.


E o Budismo também sempre faz o seguinte. No final, a gente tem a aspiração de dedicar que qualquer tipo de condições positivas que tenham se gerado por se falar, se explicar, de tentar levar sabedoria, que possam não só beneficiar a nós mesmos, mas a todos os seres, não só aos seres humanos, mas seres animais. Então, vou fazer só uma prece rapidamente em tibetano para a gente poder terminar, ok?


(Prece)


Obrigado, sei que não foi muito esclarecedor, mas é só para vocês poderem procurar agora no Google, tá? (risos). Tem mais sobre isso... (aplausos)


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