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A Decisão de Tonar-se  Budista


Eu tomo refúgio no Buda.

Eu tomo refúgio no dharma.

Eu tomo refúgio na sangha.


Na tradição budista, o propósito de tomar refúgio é despertar da confusão e associar-se com este estado desperto. Tomar refúgio é uma questão de comprometimento e aceitação e , ao mesmo tempo, de abertura e liberdade.


Ao tomar os votos de refúgio nos comprometemos com a liberdade.

Existe uma tendência geral de se envolver em todos os tipos de fascinações e delusões, e nada realmente se enraíza no ser básico de alguém. Tudo na experiência da vida de uma pessoa, no que diz respeito à espiritualidade ou qualquer outra coisa, é meramente uma questão de consumo. Nossas vidas consistem de problemas de dor, problemas de prazer, problemas de pontos de vista – problemas sobre todos os tipos de alternativas – o que fazem nossa existência complicada.


Nos submetemos à "aquilo", e nos submetemos à "isso". Existem centenas de milhões de escolhas envolvidas em nossas vidas, particularmente no que diz respeito ao nosso senso de disciplina, nossa ética e ao nosso caminho espiritual. As pessoas estão muito confusas neste mundo caótico sobre o que é realmente a coisa certa a se fazer. Existem tipos variados de análises racionais, tiradas de todos os tipos de tradições e filosofias. Podemos até tentar combiná-las; as vezes elas conflitam, outras vezes elas funcionam harmoniosamente juntas. Mas, estamos constantemente comprando, e este é na realidade o problema básico.

Não é questão que existe alguma coisa errada com outras tradições que nos rodeiam, a dificuldade tem mais a ver com nosso próprio conflito pessoal que surge ao querer possuir e ser o melhor. Quando tomamos refúgio, abrimos mão da sensação de nos enxergar como o bom cidadão ou como o herói de uma história de sucesso. Podemos ter que desistir do nosso passado, talvez tenhamos que desistir do nosso potencial futuro. Ao tomar este voto específico, damos um fim em nossa compra no supermercado espiritual. Decidimos ficar com uma marca específica para o resto de nossas vidas. Decidimos ficar com uma dieta básica particular e nela florescer.


Quando tomamos refúgio, nos comprometemos com o caminho budista. Esta não é apenas uma abordagem simples, mas também extremamente econômica. Uma vez estando em um caminho particular que possui estratégia, que foi formulado e bem pensado por dois mil e quinhentos anos atrás pelo Buda e os seguidores de seu ensinamento. Já existe um padrão e uma tradição, já existe uma disciplina. Nós não temos mais que correr atrás dessa pessoa ou daquela pessoa. Não temos mais que comparar o nosso estilo de vida com ninguém. Uma vez que tomamos este passo, não temos alternativa, não existe mais o entretenimento em satisfazer-se com uma suposta liberdade. Tomamos um voto definitivo de entrar em uma disciplina de não escolha ­– a qual nos poupa muito dinheiro, muita energia e muito, mas muito pensamento superficial.


Talvez, essa abordagem possa parecer repressiva, mas, na realidade, é baseada em uma atitude compreensiva de nossa situação. Só é realmente possível trabalhar com nós mesmos uma vez que não haja desvios, nem escapatória. Normalmente buscamos soluções em alguma coisa nova, alguma coisa externa: uma mudança na sociedade ou na política, uma dieta nova, uma nova teoria. Ou então procuramos sempre coisas novas para pôr a culpa de nossos problemas, tais como os relacionamentos, sociedade, ou qualquer outra coisa que exista. Trabalhar com nós mesmos, sem tais escapatórias ou desvios, é o caminho budista.


Ao tomar refúgio, em algum sentido, nos tornamos refugiados sem teto. Tomar refúgio não quer dizer que estamos desamparados e então entregando todos os nossos problemas para algo ou alguém. Não haverá ração para os refugiados, nem todos os tipos de segurança e de ajuda concedida. A questão de tonar-se um refugiado, é abandonar nosso apego à uma segurança básica. Temos que abandonar nosso sentimento de território familiar, o qual é ilusório de toda forma. Podemos ter um sentimento de território familiar, tal como o lugar que nascemos e a forma que enxergamos, mas, basicamente falando, não possuímos nenhum lar de fato. Na realidade, não existe nenhuma sólida base de segurança na vida de uma pessoa. E pelo fato de não possuirmos nenhum chão familiar, somos almas perdidas, por assim dizer. Basicamente estamos completamente perdidos e confusos, e somos, em certo sentido, patéticos.


Estes são os problemas específicos que fornecem o ponto de referência do qual criamos a noção de tornar-se um budista. Ao nos relacionar com estar perdidos e confusos, nos tornamos mais abertos. Começamos a enxergar que ao buscar segurança, não podemos nos agarrar em nada, tudo continuamente é destruído e torna-se constantemente instável, a todo o momento. E é isso que é chamado vida.

Portanto, tornar-se um refugiado é reconhecer que não temos lar nem chão, e é ao reconhecer isso que não há realmente a necessidade de lar ou chão. Tomar refúgio é uma expressão de liberdade, porque enquanto refugiados, não estamos mais atados à necessidade de segurança. Estamos suspensos em uma terra de ninguém, na qual a única coisa a se fazer é relacionar-se com os ensinamentos e com nós mesmos.


A cerimônia de refúgio representa uma decisão final. Reconhecendo que a única base de trabalho verdadeira é você mesmo e que não existe outra maneira, o indivíduo toma refúgio no Buda como um exemplo, no dharma como o caminho, e na sangha como companhia. Não obstante, é um compromisso total consigo mesmo. A cerimônia corta a linha que conecta o navio à âncora, marca o início de uma odisseia de solidão. Ainda assim, também inclui a inspiração do preceptor e da linhagem. A participação do preceptor é um tipo de garantia de que você não retrocederá à questões de segurança, e que continuará a reconhecer sua solidão e trabalhar com você mesmo, sem apoiar-se em ninguém. Finalmente você torna-se uma pessoa de verdade, andando com seus próprios pés. Neste ponto, tudo começa com você.


Esta jornada em particular é como aquela dos primeiros colonizadores. Viemos para a terra de ninguém e não estamos providos de coisa alguma. Aqui estamos nós, e temos que fazer tudo com nossas próprias mãos. Somos, de nossa maneira única, pioneiros: cada um é uma pessoa histórica em sua própria jornada. É o pioneirismo individual de construir uma base espiritual. Tudo tem que ser feito e produzido por nós mesmos. Ninguém irá nos jogar pedacinhos de chocolate ou nos consolar com guloseimas.


Se adotarmos uma religião pré-fabricada que nos diga exatamente a melhor maneira de se fazer tudo, é como se essa religião fornecesse uma casa completa com carpetes de parede a parede. Nos tornamos completamente mimados. Não temos que despender nenhum esforço ou energia, portanto, nossa devoção e dedicação ficam sem fibra. Acabamos reclamando por faltar o papel higiênico deluxe que costumávamos usar. Então, neste ponto, ao invés de andar em direção a um hotel bacana e bem servido ou para uma casa luxuosa, estamos começando do nível primitivo. Temos que descobrir como vamos construir nossa cidade e como vamos nos relacionar com nossos camaradas que estão fazendo a mesma coisa. Temos que trabalhar com o sentido de sacralidade e riqueza, e o aspecto mágico de nossa experiência. E isso tem que ser feito no nível de nossa existência diária, a qual é um nível pessoal, um nível extremamente pessoal. Não existem bodes expiatórios. Quando você toma refúgio, você torna-se responsável por você mesmo enquanto um seguidor do dharma. Você está se isolando do resto do mundo, em um sentido de que o mundo não irá ajudá-lo mais, ele não é mais considerado como a fonte de sua salvação. Ele é apenas uma miragem, maya. Ele pode zombar de você, tocar uma música para você e dançar para você, porém , mesmo assim, o caminho e a inspiração do caminho são por sua conta. Você tem que fazê-lo. E o significado de tomar refúgio, é que você irá fazê-lo. Você se compromete como um refugiado de si mesmo, não mais pensando que algum princípio divino que existe em uma lei sagrada ou escritura sagrada irá salvá-lo. É muito pessoal. Você experimenta um sentimento de solidão e isolamento – um sentimento de que não há salvador, nem ajuda. Porém, ao mesmo tempo, existe um sentimento de pertencimento: você pertence a uma tradição de solidão, onde pessoas trabalham juntas.


Portanto, tomar refúgio é o marco de tornar-se budista, um não-teísta. Você não tem mais que fazer sacrifícios em nome de qualquer outro, tentando se salvar ou ganhar redenção. Você não precisará mais se jogar no mar para merecer um sorriso do cara que está nos observando, aquele velho de barba. No que diz respeito aos budistas, o céu é azul e a grama é verde – no verão, óbvio. No que diz respeito aos budistas, os seres humanos são muito importantes e eles nunca sofreram nenhuma condenação – exceto por sua própria confusão, que pode ser compreendida. Se ninguém lhe mostra um caminho, qualquer tipo de caminho, você ficará confuso. Não é sua culpa. Mas agora, está sendo mostrado a você o caminho e você está começando a trabalhar com um determinado professor. Nessa altura ninguém está confuso. Você é o que você é, os ensinamentos são o que são, e eu sou o que sou – um preceptor para ordenar vocês como pessoas budistas.


Tomar refúgio no Buda como um exemplo, tomar refúgio no dharma como o caminho e tomar refúgio na sangha como companheiros é muito exato, muito definido, muito preciso e muito claro. Pessoas tem feito isso ao longo dos últimos dois mil e quinhentos anos da tradição budista. Ao tomar refúgio, você recebe aquela herança única em seu próprio sistema. Você junta-se àquela sabedoria específica que continua existindo por dois mil e quinhentos anos sem interrupção e sem corrupção. É muito direto e muito simples.



TOMAR REFÚGIO NO BUDA

Você toma refúgio no Buda, não como um salvador – e não com o sentimento de que você encontrou alguma coisa que faz você sentir-se seguro – mas como um exemplo, como alguém que você pode imitar. Ele é um exemplo de um ser humano comum que viu através dos enganos da vida, ambos no nível comum e espiritual.


O Buda encontrou o estado desperto da mente ao relacionar-se com situações que existiam a seu redor: a confusão, caos e insanidade. Ele foi capaz de olhar para aquelas situações muito claramente e com precisão. Ele se auto disciplinou ao trabalhar com sua própria mente, a qual era a fonte de todo o caos e confusão. Ao invés de tornar-se um anarquista e culpar a sociedade, ele trabalhou a si mesmo e atingiu o que é conhecido como bodhi, ou iluminação. A descoberta derradeira e final ocorreu, e ele foi capaz de ensinar e trabalhar com os seres sencientes sem qualquer inibição.

O exemplo da vida do Buda é aplicável porque ele começou basicamente do mesmo tipo de vida que levamos, com a mesma confusão. Mas ele renunciou aquela vida para encontrar a verdade. Ele passou por muita "viagens" religiosas. Ele tentou trabalhar com o mundo teísta do hinduísmo daquela época, e percebeu que haviam muitos problemas com aquilo. Então, ao invés de procurar por um solução externa, ele começou a trabalhar consigo mesmo. Ele arregaçou as mangas, por assim dizer, e tornou-se um buda. Até fazê-lo, ele estava apenas em uma viagem espiritual ineficaz. Portanto, tomar refúgio no Buda como um exemplo é perceber que nosso caso histórico pode de fato ser completamente comparável com o dele, e então decidir que vamos seguir seu exemplo e fazer o que ele fez.

Um dos grandes passos do desenvolvimento do Buda foi ter percebido que não existe motivo para acreditar ou esperar alguma coisa além da fonte de inspiração básica que já existe em nós. Esta é uma tradição não teísta: o Buda desistiu de confiar em qualquer tipo de princípio divino que descendesse sobre ele e resolva seus problemas. Portanto, tomar refúgio no Buda não significa de forma alguma considerá-lo como um deus. Ela era apenas uma pessoa que praticou, trabalhou, estudou e experimentou coisas em um nível pessoal. Com isso em mente, tomar refúgio no Buda corresponde à renunciar concepções errôneas sobre uma existência divina. Uma que possuímos o que é conhecido como natureza de buda, inteligência iluminada, não temos que pegar emprestado a glória de ninguém. Não estamos tão desamparados. Possuímos nossos próprios recursos de antemão. Uma hierarquia de princípios divinos é irrelevante. Diz respeito à nossa responsabilidade. Nossa individualidade produziu nosso mundo. A situação como um todo é muito pessoal.


TOMAR REFÚGIO NO DHARMA

Em seguida, tomamos refúgio nos ensinamentos do Buda, o dharma. Tomamos refúgio no dharma como caminho. Desta maneira, descobrimos que tudo em nossa situação de vida é um processo contínuo de aprendizado e descoberta. Não consideramos algumas coisas como seculares e outras coisas como sagradas, mas tudo é considerado como verdade – o que é a definição de dharma. Dharma é também impassibilidade, o que neste caso significa não apego, não agarrar-se, ou tentar possuir – significa não agressão.

Normalmente, o fio condutor básico que percorre nossas experiências é apenas o desejo de ter um processo voltado para um objetivo: tudo que sentimos é necessariamente relacionado com nossa ambição, nossa competitividade, nossa necessidade de desbancar o outro. Normalmente é isso que nos move a nos tornar melhores professores, melhores mecânicos, melhores carpinteiros, melhores poetas. Dharma – impassibilidade – ultrapassa essa pequena visão voltada para um objetivo, então, tudo tornar-se simplesmente um processo de aprendizagem. Isto permite nos relacionar com nossa vida de forma plena e devida. Portanto, ao tomar refúgio no dharma enquanto caminho, desenvolvemos o sentimento de que vale a pena andar nesta terra. Nada é considerado como apenas um desperdício de tempo, nada é visto como punição ou como a causa de ressentimento e reclamação.

Este aspecto de tomar refúgio pode ser aplicado particularmente na América, onde está muito na moda por a culpa de tudo nos outros e sentir que todos os tipos de elementos das relações do indivíduo ou de seu ambiente são insalubres ou poluídos. Nós reagimos com ressentimento. Porém, uma vez que começamos a agir assim, não há como. O Mundo divide-se em duas sessões: sagrado e profano, ou aquilo que é bom e apropriado e aquilo é considerado com o algo ruim ou um mal necessário. Tomar refúgio no dharma, tendo uma abordagem de impassibilidade, significa que tudo da vida é considerado como uma situação fértil e uma situação de aprendizado, sempre. O que quer que aconteça – prazer ou dor, bom ou mal, justo ou injusto – faz parte do processo de aprendizado. Então não há nada a culpar, tudo é o caminho, tudo é dharma.

A qualidade de impassibilidade do dharma é uma expressão do nirvana – liberdade, ou abertura. E uma vez que temos essa abordagem, qualquer prática espiritual que você possa estar fazendo torna-se parte de uma situação de aprendizado, ao invés de uma questão meramente ritualística, espiritual ou uma obrigação religiosa. Todo o processo torna-se integral e natural.

Esta abordagem envolve uma qualidade de franqueza e falta de engano – ou podemos até dizer uma ausência de polidez. Significa que de fato, encaramos os fatos da vida diretamente, pessoalmente. Não temos que inventar nenhuma cordialidade amaciante ou um barateio comum, mas de fato nós experienciamos a vida. E é uma vida muito comum: dor é dor e prazer é prazer. Não temos que usar outra palavra ou alusão. Dor e prazer e confusão – tudo se dá de forma nua e crua. Somos simplesmente comuns. Com nossos amigos com nosso parentes, em tudo que acontece, podemos bancar ser muito simples, diretos e pessoais.


TOMAR REFÚGIO NA SANGHA

Tendo tomado refúgio no Buda como um exemplo, e no dharma como caminho, então tomamos refúgio na sangha enquanto companheirismo. Isso significa que temos muito amigos, colegas refugiados, que também estão confusos, e que estão trabalhando com as mesmas diretrizes que nós. Todos estão simultaneamente esforçando-se com sua disciplina. Conforme os membros da sangha ganham um sentimento de dignidade, e seu sentimento de tomar refúgio no Budha, dharma e sangha começa a crescer, eles são capazes que agir como um lembrete e prover feedback uns aos outros. Seus amigos na sangha proveem um ponto de referência contínuo que cria um processo contínuo de aprendizado. Eles agem como reflexos de um espelho para lembrá-lo ou alertá-lo em situações da vida. Esse é o tipo de camaradagem que queremos dizer com sangha. Estamos todos no mesmo barco, compartilhamos um sentimento de confiança e um sentimento em larga escala de amizade orgânica.


Portanto, tomar refúgio na sangha significa estar disposto a trabalhar com seus colegas estudantes – seus irmãos e irmãs no dharma – enquanto se é independente ao mesmo tempo. Ninguém impõe suas próprias noções pesadas sobre o resto da sangha. Ao contrário, cada membro da sangha é um indivíduo que está no caminho de uma maneira diferente de todos os outros. É por causa disso que você consegue feedback de todas as maneiras: negativo e positivo, encorajador e desencorajador. Esses recursos riquíssimos tornam-se disponíveis para você quando você toma refúgio na sangha, o companheirismo dos estudantes. A sangha é a comunidade de pessoas que tem o perfeito direito de cortar suas viagens e alimentá-lo com sua sabedoria, bem como também possuem o direito perfeito de demonstrar suas próprias neuroses e ser visto por você. O companheirismo dentro da sangha é um tipo de amizade limpa – sem expectativa, sem demandas, porém, ao mesmo tempo gratificante.

Portanto, não nos consideramos mais como lobos solitários que possuem tal coisa boa acontecendo que não precisamos mesmo nos relacionar com ninguém. Ao mesmo tempo, não devemos simplesmente seguir a multidão. Ambos os extremos são muito seguros. A ideia é de abertura constante, de abrir mão completamente. Há muita necessidade de abrir mão.

A disciplina de se tomar refúgio no buda, no dharma e na sangha, é algo além de uma coisa doutrinal ou ritual: vocês está sendo infectado fisicamente com o comprometimento ao budadharma; o budismo é propagado dentro do seu sistema. Nesse ponto específico, a energia, o poder e as benção da sanidade básica que existe na linhagem por dois mil e quinhentos anos, em uma tradição e disciplina ininterrupta desde a época do Budha, entra em seu sistema, e você finalmente torna-se um seguidor de pleno direito do budadharma. Nessa altura você é um futuro buda vivo.




Este artigo foi adaptado do livro The Heart of The Buddha, e publicado no site Lions Roar.; https://www.lionsroar.com/the-decision-to-become-a-buddhist/

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