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A Prática Correta do Dharma

Para os praticantes do dharma, praticar o dharma é a nossa maior responsabilidade, é o principal caminho que temos que trilhar. Quando falamos sobre o caminho do dharma, falamos principalmente sobre as práticas de escutar o dharma, contemplar o significado daquilo que ouvimos e meditar sobre o significado daquilo que entendemos. Usamos essa forma de ouvir, contemplar e meditar para trazer o dharma à nossa experiência, desta forma estas três atividades são da maior importância.


Quando falamos sobre o caminho da dharma, de forma a trazê-lo à nossa própria experiência, precisamos segui-lo por meio de ouvir, contemplar e meditar. É certo que todos vocês já praticaram muito isso. Essas três atividades são indispensáveis à nossa prática do dharma. Entre elas, mais especificamente, a meditação é indispensável. Por que a meditação é tão importante? O verdadeiro poder da prática do dharma consiste em domar nossa própria mente. Se tudo o que fizermos for ouvir o dharma e pensar nele de tempos em tempos, isso pode ser benéfico, mas não será o suficiente para domar nossas mentes. Em vez disso, para domar nossas mentes, precisamos meditar sobre o dharma de novo e de novo e nos tornarmos profundamente familiarizados com ele. Assim, o fator primário para termos sucesso em domar nossas mentes é se meditamos ou não. É por isso que eu quero ressaltar e enfatizar esse ponto. É algo que todos nós precisamos enfatizar e encarar como extremamente valioso e importante para nossa prática.


É por meio de ouvir, contemplar e meditar sobre o dharma que o real valor do dharma surge de forma a nos conduzir pelos caminhos que trazem a liberação e a onisciência, o conhecimento completo de tudo.


Pode-se perguntar como deveríamos encarar estas etapas da audição, contemplação e meditação. Como deveríamos fazer isso? De que maneira precisamos desenvolver e para onde devemos voltar a nossa mente? Se tivéssemos uma intenção errônea, então poderíamos pensar: "Bem, se praticar de determinada forma, então as outras pessoas vão pensar que eu sou uma pessoa realmente admirável". E então se poderia pensar em adotar o dharma para impressionar outras pessoas e fazê-las ter boa impressão de nós. Esta maneira de ouvir, contemplar e meditar está focada apenas na vida presente. Não é a audição, contemplação e meditação que visa o benefício nas vidas futuras e a obtenção da liberação e onisciência.


Dessa forma, se nos dedicarmos a ouvir, contemplar e meditar simplesmente para o benefício desta vida atual, não apenas essa prática não vai se tornar causa para a obtenção da liberação e onisciência; ela não vai nem mesmo nos levar a conseguir o estado humano ou de deus em vidas futuras. Por quê? Porque se está simplesmente visando ao benefício desta vida e deste corpo; se está tentando apenas atingir fama e renome para este corpo atual. Se nos dedicamos à audição, contemplação e meditação com esta motivação, nossa motivação é deficiente.


Isso nos leva, então, a perguntar: "Qual é, afinal de contas, a finalidade de nos dedicarmos às práticas de ouvir, contemplar e meditar?" É para que possamos seguir os caminhos da liberação e onisciência, o conhecimento de tudo, e atingir esses estados. Em outras palavras, nos dedicamos a ouvir, contemplar e meditar para que nós próprios possamos nos tornar totalmente despertos, possamos nos tornar budas. Desta forma, a cada vez que nos engajamos em ouvir, contemplar e meditar, deveríamos fazer isso com um pensamento em nossas mentes: "Estou fazendo isso para que possa atingir o estado da budeidade". Isso é muito importante.


No tempo dos grandes mestres Kadampas, existia um mestre, Dromtönpa, que era um discípulo direto do próprio Atisha, e Drontönpa uma vez encontrou um companheiro que estava circumambulando uma estupa tsa-tsa. Tsa-tsas são estupas em miniatura moldadas em cevada. Na tradição tibetana, devotos em caminhos de peregrinação empilham muitas tsa-tsas uma em cima das outras como representação das três jóias e como objeto de circumambulação. Drontömpa, depois de observá-lo por um tempo, disse para ele: "Bem, essa circumambulação de tsa-tsa é ótima, mas se você praticasse o dharma seria ainda melhor". Então o companheiro pensou: "O que eu deveria fazer? Talvez se eu lesse algum texto do dharma, isso seria uma boa coisa para fazer". Então ele apanhou um par de livros, sentou e começou a ler, e Drontömpa olhou e depois de um tempo, disse: "Sim, ler livros é bom, é ótimo ler sobre essas coisas, mas se você praticasse o dharma, isso seria algo realmente bom de se fazer". Então o companheiro pensou: "Bem, isso não funcionou tão bem assim. Chega de tsa-tsas e livros. Deixe-me tentar alguma outra coisa". Então ele sentou para meditar, e achou que isso seria a escolha certa. Ele meditou por um tempo, e então Drontönpa olhou para ele e disse: "Sim, meditar. Não é uma má tentativa, mas seria realmente bom se você praticasse o dharma". Assim, tendo chegado próximo ao fim de seus recursos sobre o que poderia fazer, o estudante disse para Drontönpa: "Eu fiz circumambulações, li livros sagrados e até pratiquei meditação, mas isso não parece ter sido dharma verdadeiro. Se essas coisas não são o dharma verdadeiro, então o que é?". Drontönpa respondeu: "Se você deixasse de lado sua preocupação com esta vida atual e, em vez disso, focasse em suas vidas futuras e se dedicasse a atingir a liberação e onisciência, isso seria a prática verdadeira do dharma".


Sendo assim, se você pudesse apenas desistir de pensar sobre o que você pode fazer para se tornar famoso ou para conseguir engrandecer seu nome e, em vez disso, se dedicar à felicidade em vidas futuras e, não apenas isso, à atingir a budeidade - se você fizesse isso, então seria uma prática genuína do dharma. Não sendo assim, simplesmente sentar dizendo que está meditando, ou simplesmente passar os olhos em um livro de dharma não vai se tornar dharma genuíno. Isso é algo que precisa ser totalmente esclarecido. Você precisa chegar a um entendimento definitivo, claro e significativo disso, além de qualquer tipo de dúvida.


Mais acima, eu disse que a prática de meditação é extremamente importante. No entanto, se você tomar isso como significando que as práticas de ouvir e contemplar não são tão importantes, isso seria um erro. Estas três práticas precisam estar interligadas, cada uma delas às outras; deve existir um encadeamento progressivo entre a audição, contemplação e meditação. Cada etapa leva à seguinte e depende da que vem antes dela. Se não fizermos dessa forma, se apenas praticarmos de maneira desordenada, então nossa prática do dharma não será completa. Se vamos realmente meditar, isso depende de termos ouvido e contemplado o dharma anteriormente.


Se alguém for tentar meditar sem antes ter ouvido qualquer tipo de ensinamento e sem ter feito a menor contemplação, isso não traria nenhum resultado, exceto ser algo para nos fazer rir. Sendo assim, precisamos primeiro nos apoiar na audição e contemplação para remover nossas pressuposições sobre como são as coisas. Se não passarmos primeiro por este processo, por meio da audição e contemplação, então nossa meditação se torna a meditação de um pateta, em contraste com a meditação de uma pessoa inteligente, hábil ou sábia.


Existem pessoas que acham que a meditação significa apenas sentar de alguma maneira relaxada e não pensar sobre absolutamente nada; você apenas se apaga por um par de horas. Mas, se você fizer isso, não vai ter muito resultado. Vai ser algo sem sentido e uma colossal perda de tempo. Você pode ficar sentado por anos, meses, quanto tempo você quiser, mas isso não vai trazer nenhum benefício. Assim, se você quer meditar, se qualquer um de nós quiser meditar de uma forma que seja realmente significativa, onde apareça algum resultado, temos que nos apoiar nas causas de uma meditação significativa. Quais são elas? Ouvir e contemplar.


Ainda não é o suficiente nos apoiarmos apenas na audição e contemplação. Depois de ouvirmos e contemplarmos, é imperativo que coloquemos em prática o dharma que ouvimos e contemplamos. Se tudo que fazemos é ouvir e contemplar o dharma sem meditar, então provavelmente só vamos desenvolver orgulho de nossa audição e contemplação, pensando: "Eu sou realmente muito maravilhoso, porque ouvi todo o dharma e pensei sobre ele, então sou muito sábio e experiente". Podemos chegar a desenvolver idéias erradas, talvez até afirmando que as instruções principais dos mestres genuínos da linhagem do passado são incorretos. Haveria também o grande perigo de de chegarmos a negligenciar e negar a relação entre causas e resultados kármicos. Poderíamos causar um monte de problemas para nós próprios se não trouxermos o dharma profundamente à nossa experiência.


Existe uma história da vida do grande Jetsun Milarepa que ilustra claramente este ponto. Um patrocinador foi a Milarepa para fazer algumas perguntas e pedir instruções. Ele disse para Jetsun Mila: "Você ensina o dharma para outras pessoas, e você também medita de maneira muito disciplinada e rigorosa, mas eu não sou capaz de fazer essas duas coisas. Eu posso apenas fazer uma delas. Como eu gosto de meditar, que tal se eu apenas fizer isso, sem ensinamentos? " Milarepa respondeu: "Isso seria excelente. Afinal de contas, a razão pela qual eu ensino o dharma para os outros é que isso seja benéfico para sua meditação".


Essa é uma história da vida do próprio grande mestre Milarepa que indica a relação entre ouvir, contemplar e meditar; mostra que os estágios preliminares de ouvir e contemplar servem como um suporte, um acompanhamento, um assistente para a prática de meditação. Temos que tomar muito cuidado para conectar essas etapas da forma correta. Em resumo, o ponto principal é que se praticarmos as três etapas conjuntamente, então nossas práticas de ouvir e contemplar vão ser um apoio constante para nossa prática de meditação; a meditação vai correr bem e nossa experiência e realização do dharma vão progredir e florescer.


Isto é parte de um entendimento mais vasto sobre como conduzimos a prática do dharma em geral. Para que nossa prática do dharma seja certeira, precisamos empreendê-la por etapas e manter estas etapas na ordem correta. Algumas pessoas podem empreender a prática do dharma pulando as muitas práticas que necessitam ser feitas como preliminares no começo da prática, e em vez disso prosseguem diretamente para as práticas de mahamudra e dzogchen. Esse é um procedimento incorreto, que não vai trazer nenhum resultado benéfico.


Se alguém tenta fazer práticas como mahamudra e dzogchen dessa forma, pode-se terminar praticando mahamudra e dzogchen por um longo tempo, muitos meses e anos e, como nenhum resultado positivo vai surgir, é possível que se adote crenças errôneas. Pode-se reagir pensando que há alguma coisa errada com o mahamudra e dzogchen. Bem, não há nada de errado com o mahamudra e não há nada de errado com o dzogchen, mas existe algo muito errado na forma como os praticamos, se essa é a maneira que fazemos as coisas. Não empreendemos a prática de maneira apropriada; não juntamos todas as suas partes; não as aplicamos corretamente, então não é de se estranhar que a potência, o grande poder desses ensinamentos não surja; não demos oportunidade para que eles surgissem. Não completamos as várias etapas e sequências que tornariam possível que as profundas realizações do mahamudra e dozgchen surgissem para nós.


Assim sendo, temos que fazer as coisas na ordem correta. Temos que percorrer as etapas e começar pelo começo, tomando refúgio no Buda, no Dharma e na sangha e então prosseguir com as práticas de "habitar em paz", shinê ou shamata e visão profunda, lathong ou vipashyana. E, lentamente, etapa por etapa, seguimos até o ponto em que realmente estamos prontos para empreender de maneira adequada as práticas de mahamudra, dzogchen e assim por diante. Isso se aplica a todos; é verdade para ocidentais, é verdade para orientais, não existe diferença aqui. Todos têm que prosseguir dessa forma.


É desta maneira que fizeram todas as pessoas sábias e realizadas, os siddhas e os grandes mestres do passado, então é desta maneira que temos que fazer também. Se prosseguirmos dessa forma, não haverá engano e não haverá confusão. Se praticarmos o dharma de maneira certeira e organizada, o verdadeiro poder da prática do dharma vai então surgir e nossa prática terá um resultado maravilhoso.


O ponto principal é que, se queremos ser praticantes do dharma, precisamos nos tornar praticantes independentes, pessoas que realmente sabem como praticar aprendendo a ser totalmente diretos e honestos com nós mesmos. Poderíamos pensar que vamos poder estar sempre sentados em frente a nosso mestre e praticar o dharma sempre recebendo conselhos dele ou dela sobre o que devemos ou não fazer. Mas se sempre necessitarmos de orientação, nem sempre vamos ter próximo a nós alguém que nos possa dá-la.


Sendo assim, temos que aprender a prestar atenção ao que está acontecendo em nossas mentes e identificar quais são os nossos defeitos, quais são nossas qualidades, e de que maneira se distingue defeitos de qualidades. Em vez de olharmos continuamente para algo que está fora de nós, temos que desenvolver a capacidade de prestar atenção de maneira cuidadosa e perspicaz àquilo que está acontecendo dentro de nós, de maneira que possamos nos tornar capazes, praticantes autônomos do dharma.


Se o que queremos fazer é nos tornar um buda, então definitivamente precisamos das instruções de nossos professores e do caminho do dharma. No entanto, a budeidade é algo que requer mais do que apenas o dharma e as instruções de nossos professores. Precisamos aplicar energia de nossa parte. Se não aplicarmos nossa própria energia no dharma e trabalharmos para transformar nossas mentes, então não vamos nos tornar iluminados através apenas das instruções. É muito mais importante que despertemos o que é poderoso e ressoante dentro de nós, aprendendo a desenvolver nossas próprias mentes. Fazemos isso aplicando esses tipos de instruções pessoais a nós mesmos, diretamente, e observando cada vez mais atentamente nossas próprias mentes, purificando-as continuamente, aplicando atenção e consciência. Dessa forma, vamos ser capazes de abandonar quaisquer tipos de não virtudes com que estivermos envolvidos e vamos poder acumular virtude de uma forma vasta e contínua.


Isso me faz lembrar de um encontro entre Jetsun Milarepa e o mestre indiano Padampa Sagye. Eles discutiram seus entendimentos e suas visões sobre meditação por um longo tempo, trocando idéias. Milarepa explicava sua visão para Padampa Sangye, e Padampa Sangye, da mesma forma, apresentava seu entendimento do dharma para Milarepa. E, no final, a conclusão a que chegaram é de que não tinham nenhuma necessidade um do outro, afinal de contas. "Eu não preciso de você e você não precisa de mim, ambos conhecemos nossa prática e isso é tudo" e eles seguiram seus caminhos. É assim, então, que precisamos nos tornar, chegando ao ponto em que não temos que nos apoiar constantemente em alguém, mas sabemos como praticar o dharma.


Além disso, estou muito alegre de ver que os estudantes no ocidente começaram a aprender as canções de Jetsun Milarepa. Eu também tenho estudado essa dohas com o Khenpo Tsultrim Gyamtso Rinpoche e tenho cantado algumas delas junto com ele algumas vezes. Essas canções têm um significado muito profundo e poderoso, e não há dúvida de que se nos familiarizarmos profundamente com elas, elas vão trazer algo que será de muita ajuda para nós. Por meio de cantá-las e colocá-las em prática de novo e de novo, vamos dar origem a uma excepcional energia e excepcional experiência em nossas mentes. Fazendo isso constantemente, vamos nos tornar exatamente como o próprio Milarepa. Não vai haver diferença entre nós e o grande Jetsun, e então um bom resultado vai realmente ocorrer.


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