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Meditação & Bodhicitta





Venerável Khenchen Thrangu Rinpotche


Ensinamento oferecido no Vajra Vidya Institute, em Sarnath, Índia, em 2004; traduzido do tibetano para o inglês por David Karma Choephel.


Introdução

É muito importante ter a motivação correta ao receber os ensinamentos do Dharma. Quando fazemos isso, é importante que nossa mente vá na direção do Dharma e que nossa prática esteja de acordo com o caminho.

Quando falei sobre a meditação, eu expliquei os sete pontos de Vairochana para a postura e também os nove estágios ou níveis de repousar a mente. Agora, em termos de métodos de shamatha (meditação do habitar em paz) e em termos de métodos de meditação, quando falamos da perspectiva daquele que pratica o Mantra Secreto ou o Vajrayana, as práticas que realmente dedicamos grande parte do nosso tempo são as do estágio de criação e do estágio de completude.

Ao nos preparar para fazer essas meditações, é importante dedicarmo-nos totalmente ao Dharma. Para nos dedicar totalmente ao Dharma, é preciso refletir sobre os quatro pensamentos que nos inspiram a mudar a mente. Esses quatro pensamentos contemplam o precioso nascimento humano, a impermanência, o karma e as imperfeições do samsara. Desses quatro, aquele que o senhor Buddha ensinou como sendo o mais importante é a contemplação da impermanência.

Todos nós obtivemos um precioso nascimento humano e podemos ter alguns obstáculos ou dificuldades, mas temos uma situação boa com muita felicidade e relativa riqueza. Desse modo, somos muito afortunados. No entanto, este precioso corpo humano está sujeito a mudanças e pode colapsar. Portanto, em termos de benefício último, devemos praticar o Dharma genuíno. Para praticar o Dharma genuíno, devemos meditar sobre a impermanência.

Meditar sobre a impermanência é necessário no início, no meio e no fim. No início, nos inspira a voltar a mente para o Dharma, ou seja, nos chama para o Dharma. Vemos que tudo está sujeito a mudanças – as coisas estão sempre mudando. Vemos a mudança acontecendo momento a momento e vemos como a impermanência nos afeta.

Ao considerar as implicações, somos levados a voltar a mente totalmente para o Dharma e a nos envolver na prática do Dharma com total sinceridade e engajamento. No meio, às vezes temos boa diligência e nos esforçamos muito na prática. Porém, às vezes, nossa diligência não é tão boa assim. Mas se meditarmos sobre a impermanência repetidas vezes, isso nos impulsiona a praticar o Dharma. Os resultados positivos da meditação da impermanência é que em primeiro lugar somos levados a praticar o Dharma; em segundo lugar, no meio, somos encorajados a ser diligentes na nossa prática e, finalmente, como resultado, alcançamos o resultado final. Desta forma, meditar na impermanência é importante também no sentido último.

Entre os quatro pensamentos que nos leva a tirar o foco da mente do samsara e se voltar para o Dharma, o segundo, contemplar a impermanência, é o mais importante.

Ao começar a meditar na impermanência, talvez fiquemos um pouco tristes e deprimidos, pois esse não é um assunto muito alegre para ficar comtemplando. Porém, essa tristeza não é ruim. Na verdade, ela é necessária, porque nos leva a ter o interesse em nos engajarmos nas práticas do Dharma. Como resultado, ao ficarmos entristecidos com o samsara, atingimos o estado supremo e ficamos totalmente livres do sofrimento.

Portanto, a tristeza é boa. Isso completa a discussão introdutória dos quatro pensamentos que voltam a nossa mente para o Dharma.



Os Estágios de Criação & Completude da Meditação

Em geral, o estágio de criação da prática é meditar em uma divindade yidam. Entre as Três Raízes, o yidam é a raiz das realizações. Ao meditar em uma deidade nas tradições não budistas e em outras tradições diferentes do Vajrayana, geralmente meditamos na deidade imaginando-a como estando fora de nós.

Meditamos em uma deidade específica que está a nossa frente e pensamos: “Sou separado desta deidade. A deidade está na minha frente. Ela vai me trazer algum benefício porque faço súplicas a ela". No entanto, no Vajrayana, meditamos como sendo indissociável com a divindade e pensamos: “Eu e a divindade somos indivisíveis".

Seja a divindade Tchenrezig ou outro yidam, somos indivisíveis com sua forma, com sua fala e com sua mente. Ocasionalmente, no Vajrayana, meditamos no yidam como se estivesse à nossa frente, mas a prática principal é meditar sendo indissociável com a divindade.


Podemos ter a tendência de pensar em nós mesmos como sendo inferiores, como sendo um tipo de ser inferior, como sendo uma pessoa desvalida que está suplicando à deidade. Este não é o caso do Vajrayana. Nesta tradição, o yidam representa a nossa própria mente pura. Todos nós somos dotados da natureza búdica, que é a natureza do nosso ser; a natureza da nossa mente é a natureza búdica.

Todos nós temos a natureza búdica dentro de nós e ela é a causa para futuramente atingirmos o estado búdico supremo, para finalmente nos libertarmos do sofrimento e vivermos em grande bem-aventurança. Esta essência, a natureza búdica, é o nosso ser. O yidam é a natureza de um buddha. Como o yidam é a natureza de um buddha, o Buddha não está separado de nós. Portanto, meditamos: “Eu tenho a natureza búdica. Tenho a mesma essência do yidam. Na verdade, eu sou a divindade".

Dessa forma, geramos a confiança de ser o yidam. É necessário meditar no yidam. Enquanto estamos no samsara, estamos confusos, somos enganados pelas aparências, e vemos as coisas de forma impura. No entanto, essas aparências não são partes permanentes da nossa natureza.


E assim, com base na nossa natureza búdica, podemos atingir o estado supremo e nos purificar das impurezas efêmeras. Se pensamos em nós mesmos de modo negativo, por exemplo, “Ah, eu sou uma pessoa ruim. Sou muito inferior. Não consigo realizar nada sozinho”, então não há nenhuma possibilidade de alcançarmos a iluminação devido a tais pensamentos.

No entanto, se meditarmos, “Eu sou puro. Não estou perdido em total confusão. Sou capaz de atingir o estado búdico onisciente”, então seremos capazes de atingir esse objetivo. O método para fazer isso é meditar como sendo indivisíveis do yidam: nosso corpo, fala e mente são indivisíveis do corpo, fala e mente do yidam.


Ao nos vermos como totalmente puros, somos capazes de abandonar completamente as aparências confusas do samsara. Assim, isso é meditar sendo totalmente puro. Quando meditamos como sendo totalmente puros, é necessário meditar nos outros como sendo puros também. O método para fazer isso no estágio de criação da meditação é visualizar a mente-essência do yidam no centro do nosso coração.

Agora, a mente-essência da divindade yidam não é algo que tem uma forma real, por isso, meditamos na sílaba semente de uma determinada divindade. Pode ser a sílaba HUM ou a sílaba HRI. Meditamos na sílaba semente, que está no centro do nosso coração e é a essência do yidam. É também a essência da nossa mente em si, pois a nossa mente e a mente da divindade não são diferentes. Além disso, ao redor da sílaba semente, visualizamos a guirlanda de mantras da divindade. Essa guirlanda de mantras em geral gira e, ao fazê-lo, irradia luz em todas as direções, purificando tanto o mundo externo quanto seus habitantes. Em relação ao mundo externo, à medida que a luz irradia para fora, ela purifica todas as aparências do mundo e tudo se torna a mandala da divindade.


Em relação aos outros seres sencientes, os que habitam este mundo, em geral, todos estão sujeitos ao sofrimento e às aparências confusas, por isso meditamos que quando a luz se irradia, ela purifica todas as aparências confusas e pacifica todo o sofrimento dos inúmeros seres sencientes. É assim que meditamos na purificação do mundo exterior e seus habitantes. Desse modo, a meditação torna-se um método para purificar não só a nós mesmos, mas também purificar todas as aparências externas e todos os seres vivos do mundo.


No estágio de criação, há momentos em que meditamos na divindade estando à nossa frente a fim de acumular mérito. Além disso, também meditamos na divindade estando no vaso com o intuito de receber as bênçãos e as iniciações. Quanto ao primeiro caso, visualizamos a divindade à nossa frente e fazemos oferendas e louvores a ela. É assim que acumulamos muitos méritos. No entanto, esses não são os principais métodos de meditação durante o estágio de criação. O método principal de meditação durante o estágio de criação é meditar sendo inseparável da divindade.

Isso permite a purificação das aparências impuras para que possamos alcançar os resultados da meditação. Este é o estágio de criação da meditação no yidam, que ajuda a purificar as aparências e cria as aparências puras para que possamos meditar no aspecto vazio de todos os fenômenos. Quando meditamos para receber as bênçãos e as iniciações, meditamos no yidam dentro de um vaso à nossa frente.

A luz se irradia, reunindo as bênçãos de todos os cantos do universo para dentro do vaso e se torna indivisível com a essência no interior do vaso. Nunca será possível provar que algo existe inerentemente, ou seja, por si mesmo e independentemente.


O método para meditar no estágio de completude é meditar que todos os fenômenos – o palácio externo da divindade, seu corpo, suas roupas, ornamentos, etc. – se dissolvem em luz e na mente-essência da divindade. Então a mente-essência da divindade gradualmente se dissolve em vacuidade. A inseparabilidade de clareza-vacuidade torna-se aparente. Repousamos nesta clara aparência tanto quanto possível. Portanto, esta foi a discussão dos estágios de criação e completude da meditação no yidam.


Bem, não é especialmente benéfico fazer essas práticas apenas uma ou duas vezes depois de termos recebido instruções precisas e a transmissão oral de um professor autêntico, mas é necessário nos envolvermos continuamente na meditação. Como disse Djamgon Kongtrul Lodrö Thaye, o Grande: “Não é benéfico praticar com grande esforço apenas uma ou duas vezes. Em vez disso, devemos praticar continuamente". Por esse motivo, quando terminamos uma sessão de meditação e entramos no período da pós-meditação, é importante continuar meditando.


Primeiro, fazemos a meditação do estágio de criação da pureza das aparências, a aparência de si mesmo e de todos os outros. A seguir, meditamos no estágio de completude do aspecto vazio da clareza. Ao terminarmos essa meditação, é importante que tenhamos a confiança de que nosso corpo, fala e mente são indistintas com o yidam.

Meditamos com a sílaba branca OM na testa, a sílaba vermelha AH no centro da garganta e a sílaba azul HUM no centro do coração para que o corpo, a fala e a mente não sejam separados do corpo, fala e mente do yidam. Esta é uma meditação que mantemos continuamente depois que terminamos a meditação. A aparência como uma divindade não é algo de fato, mas é como a aparência de um arco-íris no céu.

Um arco-íris consiste nas cores azul, amarelo, vermelho, etc., mas nenhuma dessas cores tem uma existência real. Embora apareçam claramente, sua natureza é vacuidade. Assim, a aparência do yidam é a mesma coisa – é a inseparabilidade de aparência-vacuidade, a inseparabilidade de clareza-vacuidade, tal como um arco-íris.


Por meio da prática do estágio de criação, desenvolvemos uma estabilidade mental, que é o aspecto da tranquilidade; alcançamos essa mesma estabilidade por meio da meditação do habitar em paz. Além disso, vemos que todas as coisas são inseparáveis da clareza-vacuidade, o resultado da meditação da visão profunda. A meditação da divindade é uma maneira de praticar tanto a meditação da shamata quanto a meditação especial do vipashyana. Por esta razão, é a principal meditação no Vajrayana.



Práticas de Meditação para Aumentar a Bodhicitta

No que diz respeito às nossas ações, há os ensinamentos sobre a meditação da igualdade de si e dos outros, a meditação de trocar a si mesmo pelos outros, e a meditação dos outros serem superiores ou mais importantes do que nós.

A primeira prática, meditar na igualdade de si e dos outros, é contemplar que “Assim como eu sempre quero ser feliz, todos os outros seres sencientes também querem ser felizes. Sejam 100, 10.000, um milhão ou um bilhão de seres sencientes, todos eles querem ser felizes. Somos todos iguais nesse sentido. Assim como eu quero me libertar do sofrimento, 100, 1.000, um milhão e um bilhão de seres sencientes, todos querem se libertar do sofrimento”.

Pensar assim é dar surgimento ao amor e a compaixão. Desejar estabelecer todos os seres vivos no estado búdico é bodhicitta, “a mente do despertar”. Isto é o que contemplamos para realizar a igualdade de si e dos outros.


A seguir vem a meditação de trocar a si mesmo pelos outros. Muitas vezes sentimos orgulho, competitividade ou inveja. Como forma de neutralizar essas emoções, meditamos trocando o eu pelos outros. Colocamo-nos no lugar de uma pessoa que trazemos à mente. Então meditamos sobre a inveja, o orgulho e a competitividade a fim de neutralizar esses hábitos que temos.

Colocarmo-nos no lugar da pessoa que trazemos à mente que é mais ou menos igual gera a ideia da competitividade, e sentimos como é ter esse tipo de experiência. Quando trocamos nós mesmos com alguém melhor ou superior, trazemos essa pessoa à mente, colocamo-nos no lugar dela, meditamos em sentir inveja e observamos os efeitos que isso tem na nossa mente.


A seguir, pensamos em alguém inferior e menos afortunado do que nós, meditamos em sentir orgulho e vemos qual é a sensação de ser menosprezado. É assim que meditamos trocar o eu pelos outros para superar as emoções negativas do orgulho, da competitividade e da inveja.

A terceira prática para aumentar a bodhicitta é meditar nos outros como sendo superiores ou mais importantes do que nós mesmos, e lidar com os resultados. No nosso estado atual, estamos vagando no samsara e estamos sujeitos ao medo, às emoções negativas e ao sofrimento. Olhando para a causa do sofrimento, trata-se principalmente de pensar que somos superiores aos outros. Pensar “sou melhor do que os outros” dá origem às emoções negativas e ao medo.


É assim que a maioria dos seres sencientes no samsara funciona: eles pensam que são melhores e mais importantes do que os outros. Grandes seres, buddhas e bodhisattvas não são afligidos por emoções negativas, sofrimento e medo. Como isso é possível? Porque eles amam os outros mais do que a si mesmos e, assim, alcançam grande benefício para si mesmos, bem como para todos os seres sencientes. Engajamo-nos na meditação de olhar para o que significa pensar que somos superiores aos outros a fim de perceber que isso cria sofrimento, não ajuda ninguém e não é virtuoso. Se pensamos que os outros seres sencientes são mais importantes, então isso beneficia a nós mesmos e aos outros, tornando possível desenvolver qualidades de valor, tal como os buddhas e bodhisattvas fizeram no passado e continuam fazendo pelo bem-estar de todos. As práticas de meditação acima são métodos para aumentar as qualidades de bondade amorosa e compaixão. Vamos encerrar esse tema agora. Se tiverem alguma dúvida, por favor, perguntem.


Perguntas & Respostas

Pergunta: “Meu entendimento é que o que distingue o tantra de outras tradições do budismo é o fato de meditarmos em nós mesmos como a divindade. Por causa disso, criamos um tipo especial de consciência e isso cria um ambiente onde podemos atingir a realização mais rapidamente. O que eu queria saber é que quando investigamos o Mahamudra ou o Dzogtchen, não necessariamente se usa a prática da divindade; então, como isso se encaixa no tantra?”

Rinpotche: Em geral, as meditações do Mahamudra e do Dzogtchen são meditações do estágio de completude. No Mahamudra e no Dzogtchen, a prática do estado de criação não é particularmente importante, mas sim o repousar na consciência da verdadeira natureza da mente e no aspecto da vacuidade. Na meditação tântrica, você está elucidando as aparências externas durante o estágio de criação e depois chega à meditação sobre a vacuidade durante o estágio de consumação. Portanto, aqui a situação é que existem muitos métodos diferentes. Para algumas pessoas que têm qualidades ou propensões específicas, é muito bom trabalhar com a meditação Mahamudra ou Dzogtchen e observar a natureza da mente. Para outros indivíduos, é bom praticar o estágio de criação. Então, aqui é uma questão de ter muitos métodos diferentes para diferentes capacidades e alunos. Tendo muitos métodos diferentes, podemos usá-los em momentos diferentes. Devido a isso, somos capazes de atingir o resultado mais rapidamente. Para dar um exemplo: algumas pessoas têm só uma tigela de arroz e comem arroz puro. Podemos comer arroz desse modo e nutrir o corpo. Mas outras pessoas gostam de comer arroz com um segundo e um terceiro tipo de comida, e assim comem um pouco de arroz, depois um pouco do segundo prato e depois do terceiro prato. Desta forma, não só é mais saboroso, como também é melhor para o corpo. Da mesma forma, tendo muitos métodos diferentes de meditação, podemos alcançar os resultados mais rapidamente.


Próxima pergunta: “Eu estava pensando sobre a visualização da divindade, que parece ser apenas uma proteção da nossa mente. Como isso ajuda a alcançar um estado além da mente, para além dos pensamentos e visões? Como a projeção ajuda nesse caso?”

Rinpotche: Quando meditamos no yidam, estamos trabalhando com a sexta consciência mental e com o significado generalizado. Não estamos trabalhando com o significado real das coisas, mas com o significado generalizado, conceitual. Então, quando pensamos e trabalhamos com a cor branca, por exemplo, é uma ideia geral de branco e não uma categoria específica; o mesmo com vermelho, e assim por diante. Nossa sexta consciência não é muito estável, ela vai e volta, vai aqui e ali. Quando meditamos na divindade e ao vermos a nossa mente unida à mente da divindade, a estabilidade da sexta consciência aumenta. À medida que a consciência se torna mais estável, o aspecto de clareza se torna mais evidente, e a visualização do corpo da divindade, ornamentos e assim por diante também se tornam muito mais claros. Por meio deste processo, as aparências impuras do corpo são purificadas e começamos a ver as aparências puras do corpo da divindade.


Próxima pergunta: “A divindade não é real, então estamos tentando chegar a algo que é real através de algo que não é real.”

Rinpotche: Não é assim, porque este não é caso. Esta é uma questão de meditar sobre o aspecto de clareza da sua mente e ganhar confiança em sua própria pureza, a natureza pura e clara da sua mente. Nesse caso, não é pensar: “Sou algo que não sou”. Na verdade, é saber: “Eu sou assim”, porque está sendo assim.


Próxima pergunta: “Então, nós somos realmente a divindade?”

Rinpotche: Sim. Em termos de verdade absoluta, nossa essência é a natureza búdica, que é a essência de todos os budas. Portanto, somos na verdade o yidam.


Próxima pergunta: “Tenho toda uma resistência na prática quando me visualizo como a divindade, porque sempre tenho uma espécie de medo de que isso possa aumentar o orgulho. Às vezes, quando pratico Tchenrezig, sinto: “Ok. Agora Tchenrezig deve estar do lado de fora e espalhando luz que auxilia as mentes de todos os seres.” Mas tenho um pouco de resistência em me visualizar como Tchenrezig, por exemplo. Sinto que talvez seja por conta do orgulho que eu resista. Esse aspecto não está muito claro para mim e é algo difícil para mim”.


Rinpotche: Isso não tem nada demais. Quando se pratica o estágio de criação da meditação, existem três características. A primeira é a clareza. A característica da clareza é que você repousa sua mente suavemente e, ao fazer isso, as aparências da visualização tornam-se muito estáveis. A segunda característica da meditação do estágio de criação é se lembrar do orgulho, que é o pensamento: “Na verdade, eu sou o yidam. Eu tenho a natureza búdica. E como resultado disso, eu sou o yidam.” A pessoa desenvolve o orgulho de ser realmente o yidam. Isto é muito importante. Se, por outro lado, você pensa: “Eu não sou realmente o yidam. Não é realmente quem sou”, então a meditação não será realmente benéfica. Se você pensa: “Eu sou o yidam”, então muito rapidamente todas as aparências se purificarão e você alcançará os resultados da meditação. A terceira característica do estágio de criação é se lembrar da pureza das aparências. Às vezes, quando está fazendo a meditação, o que você visualiza irá se tornar uma espécie de rocha; as coisas se tornarão sólidas. Ou, às vezes, ao olhar para uma thangka enquanto medita, sua visualização será plana, como a superfície da pintura. Mas, na verdade, a meditação é de aparência pura e você possui o corpo completo, a fala completa e a mente completa das aparências. Estas são as três características do estágio de criação da meditação: clareza, lembrança do orgulho e lembrança da pureza. Por causa disso, o fato de você desenvolver orgulho não tem nada demais.


Próxima pergunta: “Gostaria de saber qual é a diferença entre moksha no hinduísmo e nirvana no budismo?”

Rinpotche: Existem muitas explicações hinduístas e não budistas de moksha, "liberdade ou liberação". No hinduísmo, há as explicações do sistema filosófico Samkya, a dos jainistas, a dos adoradores de Indra e assim por diante. Existem muitas escolas diferentes de hinduísmo e cada uma tem sua própria explicação, então vamos falar um pouco sobre a ideia budista de liberação. No budismo, isto significa “completamente purificado e aperfeiçoado.” Em termos de purificação, os obscurecimentos das aflições e do saber são completamente purificados e não há mais dificuldades, não há mais obstruções ao saber e nenhum impedimento. O aspecto puro de um buda significa o abandono completo de todos os hábitos negativos que mantêm os seres sencientes presos ao samsara. Em termos de perfeição, as qualidades saudáveis e benéficas foram totalmente desenvolvidas e a sabedoria de como as coisas são e como todas as coisas se manifestam foi realizada.


Próxima pergunta: “Depois de entrar no nirvana, existe algum status de ser humano? Um ser humano pode entrar no nirvana?”

Rinpotche: Não se trata disso. Podemos comparar a uma flor que primeiro é uma semente, cresce em um botão, abre lentamente e pouco a pouco desabrocha completamente. Então, é um processo gradual de se abrir totalmente para a iluminação. Em termos dos dez estágios e cinco caminhos, começa-se no caminho da acumulação, alcança-se o caminho da junção, depois o caminho da visão, depois o caminho da meditação e, finalmente, o caminho do não-mais-aprendizado, que é o estágio final. Ou a pessoa alcança o primeiro estágio de um bodhisattva, depois o segundo, depois o terceiro e assim por diante. Em ambos os casos, é um processo gradual de purificação de obscurecimentos e obtenção de qualidades perfeitas do estado búdico.


Próxima pergunta: “A iluminação e alcançar o nirvana são a mesma coisa?”

Rinpotche: Sim, são a mesma coisa. As qualidades de um buddha foram totalmente desenvolvidas e todas as máculas e obscurecimentos foram purificados, de modo que um buddha superou o sofrimento, ou seja, atingiu o nirvana.


Próxima pergunta: “Você quer dizer que podemos alcançar o nirvana enquanto tivermos esse corpo, estando vivos?”

Rinpoche: Sim, é possível se tornar totalmente iluminado dentro de uma vida e enquanto estiver neste corpo, mas é preciso muito esforço e diligência de sua parte.

Próxima pergunta: “Depois de alcançar o nirvana, você nunca mais volta ao samsara ou não consegue se conectar com isso?”


Rinpotche: Você não volta ao samsara, mas não é que você vai para outro lugar. A razão para isso acontecer é que quando você atinge o estado búdico, você alcança os três corpos de um buddha: o corpo de Dharma (Dharmakaya), o corpo de desfrute completo (Samboghakaya) e o corpo de emanação (Nirmanakaya). O corpo de Dharma é a perfeição completa de todas as qualidades e a sabedoria plena de um buddha. Tendo alcançado esse estado, a pessoa é dotada de três características: sabedoria, amor e poder. Sabedoria significa ver todas as coisas claramente. Como resultado de ver o sofrimento de todos os seres vivos no samsara, a pessoa tem grande bondade amorosa e compaixão por todos. Poder significa ser capaz de trabalhar efetivamente em benefício de outros seres sencientes. Isso é possível porque um buddha pode emanar corpos perfeitos. Nirvana não significa que alguém vai para algum estado vazio ou para outro lugar.


Vamos terminar aqui. Muito obrigado!



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